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 | Foto: Antonio Costa – Arte: Felipe Lima
| Foto: Foto: Antonio Costa – Arte: Felipe Lima

Em minhas fantasias religiosas, imagino se lá no Céu, pertinho de Nosso Senhor, Helena Kolody não se diverte com o que cá andam dizendo sobre ela. Plácida, acompanha os festejos do centenário de seu nascimento, comemorado hoje, tendo de admitir que errou no prognóstico e não se tornou o "cristalino fio d’água que canta e murmura na mata silenciosa". As lembranças de Helena jorram como Cataratas do Iguaçu. É o que sinto.

Tenho para mim que a autora está tão viva que haverei de encontrá-la numa daquelas feiras gastronômicas da Praça Osório, à procura de perohês. Nesse dia, trocaremos umas palavras bambas e ela, de novo, vai recomendar que preste atenção aos contos de Miguel Sanches Neto, "os melhores que já li", como me disse uma vez.

Não me tomem por doido. Embora seja um caso obscuro até para a parapsicologia, dona Helena se enquadra na categoria de pessoas cuja vida eterna se reproduz, em tempo real, no mundo físico. É Caverna de Platão sem valet, entendem? O fenômeno acomete principalmente os que não tiveram sua personalidade anulada pelos departamentos de Recursos Humanos e por livros chulés de autoajuda. Digo essas coisas insensatas porque já perdi a conta dos que me falam de Helena Kolody com a familiaridade dos videntes de Fátima. Dá até arrepio.

A começar pelo performer Hélio Leites. Embora prestes a pedir à Santa Sé que declare a poeta nossa Santinha Municipal, como diz, age como se há pouco tivesse comido coalhada com ela na Confeitaria Schaffer. Temo lembrá-lo da morte de Kolody, em 2004, e ganhar uma bifa. Impressiona-me, igualmente, o tanto de gente que teve sua vida marcada pela figura de Helena. A lista é longa.

Passa pela adorável escritora Adélia Maria Woellner. Suspeito que andam indo juntas ao supermercado. Por poetas anônimas, como minha vizinha Nair de Araújo. Ex-aluna do Instituto de Educação, figura entre as centenas de mulheres que fizeram da poesia o lado divertido de suas vidas, depois de terem aulas com a saudosa professorinha. Desconfio que, quando Nair declama nos bailes da terceira idade do Sesc, é ao lado de Helena que o faz.

A lista passa também pelo poeta mambembe Batista de Pilar – que entrava no prédio de Helena, na Rui Barbosa, sem ser molestado pelos porteiros, mesmo que estivesse em trajes de inquilino da FAS. Ordens dela. Hoje em dia, Batista tem um barzinho na Alameda Cabral. No balcão, fala como se sua benfeitora tivesse acabado de passar, prometendo aceitar uns petiscos da próxima vez. Delírios da cana brava? Em absoluto. Saibam que faz tempo que o homem não põe uma gota de álcool na boca. É do além.

Como eu não pertencia ao círculo de Helena, resta-me recuperar os escassos suvenires da memória. A primeira vez que a vi foi na tela do finado Cine Ritz – estrelando Babel da Luz, o belo cinepoema de Sylvio Back. A segunda, se não me engano, foi bisbilhotando a coleção de fotos de meu colega de trabalho Antonio Costa, o Socó, que não precisou das câmeras Kirlian para fotografar a alma da escritora. Tenho certeza de que Helena o amava, embora nunca saberemos quem foi o grande amor de sua vida, a quem tantas rimas dedicou.

A lembrança mais marcante, contudo, devo ao escritor Roberto Gomes, editor que a tirou do anonimato. Em entrevista, Gomes disse a frase que me parece resumir o sentimento da cidade por Helena Kolody. "Curitiba precisava de alguém para amar." Faz sentido. Ela nos era de fato familiar. Tinha a nossa dicção curta e grossa, mas na sua voz soava divina. Seu olhar de esfinge era o de quem não dava confiança a estranhos, mas se mostrava transparente, como se tivesse acabado de ver a luz no meio dos pinheirais. Sua conversa, solene, tinha a fineza de não falar de si. Depois, qual nós, se despedia sem prometer visita, rumo à Praça Rui Barbosa, onde para sempre viverá.

Dona Helena, tenho medo até de cortina que se mexe com o vento. Mesmo assim, adoraria revê-la. Dai-me esta graça. E apareça.

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