Os ursos polares estão por toda parte em Kaktovik, pequeno vilarejo ártico, relaxando em montes de areia, dormindo nas águas rasas e atraindo centenas de turistas que viajam longas distâncias para vê-los. Eles invadem a cidade à noite. E só vão embora à revelia, espantados pela patrulha dos ursos polares com bombinhas e lanternas.
À primeira vista, eles não parecem ser membros de uma espécie em vias de extinção. Os cientistas contaram cerca de 80 de uma só vez nos arredores de Kaktovik; muitos parecem saudáveis e gordinhos, especialmente no início do outono no hemisfério Norte, temporada de caça às baleias. Contudo, os ursos que chegam a Kaktovik são refugiados climáticos, e estão em terra firme porque o gelo que usavam como base para caçar focas está cada vez menor.
A temperatura do Ártico tem aumentado duas vezes mais rápido do que a do resto do planeta, e a calota de gelo recua a um ritmo que até mesmo os climatologistas que previram o declínio acham assustador.
Boa parte de 2016 foi mais quente que o normal, e o congelamento ocorreu muito tarde. Em novembro, os níveis de gelo marinho no Ártico foram os mais baixos já registrados para o mês. Embora a média de crescimento da calota de gelo fosse maior que o normal do mês, durante cinco dias em meados de novembro ela perdeu mais de 50 mil quilômetros quadrados, um declínio que o Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo, no Colorado, considerou “praticamente inédito” nessa época do ano.
Mais ao Sul, no Mar de Beaufort, onde os 260 habitantes de Kaktovik ocupam cerca de 2,6 quilômetros quadrados na ponta noroeste da Ilha Barter, a perda de gelo foi especialmente rápida. O derretimento constante do gelo marinho é uma péssima notícia para os ursos polares, cuja existência depende de uma camada que está se tornando cada vez mais fina e rara, à medida que o clima se torna mais quente.
A maior subespécie de urso e um poderoso predador do topo da cadeia alimentar, o urso polar se tornou o animal símbolo do aquecimento global. Mas mesmo que esse papel tenha ajudado na conscientização, alguns cientistas afirmam que o discurso nem sempre ajuda a explicar a luta dos ursos e ainda abriu as portas para críticas de quem nega o aquecimento global.
“Quando usamos o urso como uma ferramenta de marketing para atrair doações, é muito comum que a mensagem fique mais rasa”, afirmou Todd Atwood, biólogo da vida selvagem no Centro de Ciências da Pesquisa Geológica do Alasca, nos EUA.
Poucos cientistas acreditam que, em longo prazo – a não ser que os países diminuam a emissão de gases do efeito estufa –, os ursos polares estarão enrascados. Além disso, os especialistas preveem que o número de animais irá diminuir à medida que o gelo for diminuindo. Uma avaliação realizada em 2015 pela União Internacional de Preservação da Lista Vermelha da Nature projetou uma redução de mais de 30% no número de ursos polares até 2050, destacando a incerteza na diminuição das populações – e do gelo – nesse período.
Liberação de gases ainda é maior ameaça
A maior ameaça para os ursos polares é algo que nenhuma autoridade regulatória envolvida com a preservação da vida selvagem pode resolver: a emissão desenfreada de dióxido de carbono e outros gases do efeito estufa na atmosfera.
Para muitos pesquisadores, a questão mais emergencial é quantos dias um urso pode viver em terra firme sem uma fonte constante do alimento rico em gordura que geralmente é oferecido pelas focas.
Alguns cientistas sugerem que os ursos poderão aprender formas de sobreviver com outros tipos de alimento – gansos da neve, por exemplo – ou que aprendam a caçar focas na água, sem precisar do gelo como plataforma.
Entretanto, a maioria dos pesquisadores crê que isso seja improvável.
Essas mudanças geralmente demoram milhares de anos para se estabelecer, afirmou David Douglas, biólogo pesquisador da Pesquisa Geológica dos EUA. Contudo, a perda da camada de gelo “está ocorrendo em um ritmo que pode ser acelerado demais, e eles talvez não tenham tempo para adotar comportamentos que sejam mais vantajosos na linha evolutiva”, afirmou.