| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

O Paraná é uma das quatro unidades da federação em que a Polícia Militar (PM) ainda está presa a uma herança da ditadura militar. A exemplo apenas das forças policiais do Distrito Federal, Piauí e Pernambuco, a PM paranaense continua normatizada pelo obsoleto Regulamento Disciplinar do Exército (RDE). A norma abre precedentes para punições – inclusive prisão disciplinar – por motivos dos mais banais, o que contribui para a perpetuação de uma cultura de intimidação dentro dos quartéis e batalhões.

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Exemplos não faltam. Em março, o Corpo de Bombeiros do Paraná – vinculado à PM – instaurou sindicância contra um soldado que andava pela rua sem “cobertura” (boné ou quepe), no entorno do quartel – e que foi flagrado por um oficial. Outro soldado responde a um procedimento por ter se sentado à mesa do refeitório sem prestar continência a um sargento que estava no local. Na PM, um aluno do curso de soldado cumpriu prisão disciplinar por ter se atrasado por 15 minutos.

As apurações consomem dinheiro público, já que os procedimentos são conduzidos sempre por policiais retirados de serviço para isso. No decorrer do processo, agentes são intimados a depor – perdendo dias de trabalho e chegando a enfrentar longos deslocamentos. Um soldado lotado nos Campos Gerais, por exemplo, foi convocado a prestar depoimento em Curitiba, simplesmente por ter “curtido” uma postagem no Facebook, crítica à corporação.

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Sem resposta

A reportagem solicitou à assessoria de imprensa da PM-PR a relação de sindicâncias e Inquéritos Policiais Militares instaurados pela corporação, além de entrevista para abordar o uso do RDE. A instituição, no entanto, não respondeu ao pedido. Um decreto estadual institui um código de ética próprio na PM, mas, segundo a Amai, o dispositivo não foi regulamento. Portanto, não está em vigor.

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“É um desgaste tanto para o policial, quanto para quem é convocado como testemunha, quanto para a própria unidade, que fica desfalcada. É muito desperdício”, avalia um agente, que pediu para não ter a identidade revelada. “Se você puser meu nome [na reportagem], é mais um processo que abrem”, destacou.

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O receio tem justificativa. A intimidação encontra respaldo no rol de transgressões disciplinares do RDE. São 113 infrações definidas, como “sentar-se, sem devida autorização, à mesa em que estiver superior hierárquico” e “deixar, deliberadamente, de cumprimentar superior hierárquico”. A lista contempla ainda conceitos vagos, como “portar-se de maneira inconveniente ou sem compostura”, “frequentar lugares incompatíveis com o decoro da sociedade” ou “ ter pouco cuidado com apresentação pessoal”.

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Há décadas, outros estados já sepultaram o RDE e instauraram um regulamento próprio – e mais moderno. No Paraná, o diálogo para pôr fim ao regulamento do Exército avançava, mas, segundo a Associação de Defesa dos Militares (Amai), as negociações pararam neste ano.

“Precisamos formar os policiais pela educação e não pela via imperativa de medo e punição. A sociedade evoluiu, a PM evoluiu, mas a legislação ainda é do século passado”, aponta o presidente da Amai, coronel Eliseo Furquim.