A polêmica envolvendo o Uber e taxistas de vários estados não é um fato isolado. O avanço da tecnologia de informação que tem como base a internet está mudando drasticamente os mercados e os comportamentos da sociedade. Nessa disputa por mercado feita por atores tradicionais e empresas da nova economia, afirma o procurador-chefe do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Victor Rufino, não se pode esquecer da defesa dos interesses do consumidor, “afinal, é ele que deve guiar as ações que vamos tomar”. Em entrevista à Gazeta do Povo, Rufino analisa as mudanças que ocorrem hoje na sociedade e defende um amplo debate dos problemas referentes à concorrência de mercado, de forma transparente, democrática e pacífica.
A tensão entre taxistas de vários estados e o Uber é algo novo no país. Como o senhor avalia o conflito de prestadores de serviço tradicionais com os atores da nova economia da internet?
Uma coisa que sempre aconteceu foi o desenvolvimento tecnológico modificar situações de mercado já estabelecidas. Isso faz parte do jogo. O que acontece agora é que a internet aumentou a velocidade disso de forma dramática. A tendência é que cada vez mais coisas dessa natureza ocorram. A internet está reduzindo a assimetria de informação e consegue colocar as pessoas em contato, permitindo que quem tenha um determinado recurso o ofereça para aquele que não o tem de forma muito mais rápida do que tradicionalmente a gente está acostumado. E esse fato está levando a um aumento da consciência de consumidores e empresários de que os mercados podem mudar subitamente. Isso está gerando uma série de novas discussões.
Nesse contexto, é legítimo taxistas impedirem novos serviços como o oferecido pela empresa Uber?
Acho que faz parte do processo democrático que as partes atingidas procurem preservar suas posições. O debate democrático deve fluir respeitando alguns requisitos. Primeiro, deve ser transparente e, segundo, deve acontecer de forma pacífica. Se a gente discutir pacificamente nos fóruns adequados, vamos chegar a uma solução. É importante que os atores envolvidos sejam ouvidos. O debate precisa ser feito com abertura à crítica. Não se pode ter uma postura de abraçar o novo só porque é novo, mas também não se pode ter uma postura de proibir algo simplesmente porque está modificando uma realidade que a gente já conhece. No que diz respeito às modificações do mercado, não se pode perder de vista o interesse do consumidor – afinal, é ele que deve guiar as ações que vamos tomar.
“A gente vive numa economia de mercado e por isso deve servir ao interesse do consumidor.”
A defesa dos consumidores não tem sido discutida pelos legisladores. Por que eles não têm demonstrado essa preocupação?
Eu não levaria o debate para essa área, até porque não sei o que se passa na cabeça do legislador. Mas com certeza dar transparência ao debate é importante. O que a imprensa está fazendo é relevante, como caixa de ressonância da sociedade que é. A mídia está repercutindo os vários lados para que o cidadão forme sua convicção. Quanto mais for discutido de forma aberta, tanto mais vai ficar evidente que terá de ser expresso o interesse da maioria, que é o interesse do consumidor do serviço. A gente vive numa economia de mercado e por isso deve servir ao interesse do consumidor. Nem é para servir o interesse do prestador de serviço, nem de novas empresas. O debate aberto, democrático, vai levar a decisões que tendam a defender os interesses do consumidor e tendam a defender um consenso da sociedade.
O que se observa hoje é que há um problema de concorrência. Que mecanismos podem dar aos taxistas condições de concorrer com o Uber?
Tanto os taxistas dizem que o Uber tem determinadas vantagens sobre os taxistas, como o Uber diz que há uma série de restrições que pesam sobre a empresa. A regulação tem de caminhar para dar isonomia e para isso tem que se sopesar num debate o que realmente recai sobre esses atores. Hoje os taxistas têm isenção de IPVA, tem ponto em locais determinados, podem parar na rua. A isonomia tem de ser atingida não aumentando a carga regulatória sobre os taxistas ou sobre o Uber. É preciso diminuir o peso da regulação, para que ela seja suficiente para oferecer qualidade e segurança ao usuário e que possam competir em condições isonômicas. O exemplo que acho ruim é fazer passar uma legislação proibindo o aplicativo sem fazer o debate. O Distrito Federal vetou uma legislação dessa natureza aprovada pela Câmara Distrital. Uma legislação muito rápida dessa magnitude tende a ser inadequada.
Como está o trâmite da representação que estudantes do Distrito Federal fizeram junto ao Cade, em que acusam taxistas de abusar de medidas judiciais e de atos anticompetitivos para pressionar o Uber?
O Cade tem hoje duas representações. Uma representação dos taxistas contra o Uber por concorrência desleal. E uma dos estudantes contra os taxistas por abuso de direito de petição e utilização de métodos violentos para dificultar a atuação do Uber. As duas estão na fase inicial de investigação. Como o processo administrativo pode levar a punições pecuniárias e outras mais severas, há uma fase de coleta de provas, além de ser necessário assegurar o direito de ampla defesa de ambas as partes. Por isso tende a ser um pouco mais lento. Hoje as duas representações estão em fase inicial.
Em quanto tempo esses processos devem ser julgados?
É difícil de prever. Depende de como as partes vão exercer seus direitos de defesa. Deve demorar mais que dois ou três meses.
A discussão ocorre num momento em que a economia fundada na propriedade de bens passa a dar lugar para uma nova economia que tem como fundamento o compartilhamento. A legislação está dando conta dessa mudança estrutural?
A realidade vem primeiro, e o direito vem depois. Mas hoje a realidade está se modificando tão rapidamente que os métodos tradicionais de abordagem jurídica do problema estão ficando inadequados para resolver as novas questões. Há campos do direito hoje que estão voltados para estudar isso. Mas a mudança não se dá somente no campo do direito. Essa veloz alteração de paradigma está acontecendo em hábitos sociais e de consumo, traz novas discussões de privacidade importantes nessa nova economia baseada na troca de informações. É um grande desafio. Esse fenômeno só deve se aprofundar. As modificações que estão ocorrendo não são por causa de uma empresa única que está entrando no mercado, mas por uma questão conjuntural que facilita o surgimento de novos serviços.
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