A vida de Raul José Miller de Oliveira ganhou um ritmo novo após a aposentadoria. Depois de trabalhar por muitos anos como professor universitário na área de Botânica, ele decidiu, aos 74 anos, aprender a tocar um instrumento musical. Inspirado pelas filhas que estudavam piano na juventude, Oliveira optou pelo teclado. "Sempre gostei de música. Mas nunca me dediquei por falta de oportunidade."
Assim como Oliveira, cada vez mais pessoas se dedicam a aprender após os 60 anos, quando a rotina fica mais flexível e dá espaço a diferentes atividades. Mas lidar com as armadilhas do envelhecimento é o principal desafio desses novos alunos. Segundo a coordenadora do departamento de Neurologia Cognitiva e Envelhecimento da Associação Brasileira de Neurologia (ABN), Márcia Lorena Telles, a terceira idade traz consigo características específicas ao aprendizado.
A principal mudança ocorre nos padrões de fixação do conteúdo novo na memória. "Quando uma pessoa se depara com um material inédito, é preciso primeiro despertar a atenção e depois ser processado do ponto de vista de aquisição e armazenamento", explica. De acordo com a neurologista, embora as alterações no funcionamento da memória ocorram ao longo de toda a vida, há uma idade em que isso fica mais nítido. "Depois dos 60, 65 anos há uma redução importante desses processos", diz.
Redução que, no entanto, não interfere na capacidade de aprender mas sim na velocidade com que as informações são adquiridas. Para quem resolveu se aventurar nos estudos nessa idade, Márcia dá a dica. "Você tem de insistir mais e aumentar a concentração para que a informação seja fixada." Há quatro meses, Oliveira aplicou esse conselho na prática. Já no início dos estudos de teclado, ele sofreu um derrame cerebral, o que limitou alguns de seus movimentos.
Quando voltou do hospital, decidiu que não poderia parar. Hoje, vai à escola de música uma vez por semana. As aulas têm duração de apenas uma hora, e ele estica o treino assim que chega em casa. "Estudo pelo menos três vezes na semana. Ou sempre que tenho vontade", completa.
Mente ativa
Se depender da vontade, o engenheiro civil aposentado Paulo Munhoz da Rocha, 72 anos, vai aprender todos os idiomas possíveis. O último em que se arriscou foi o inglês, pelo qual é apaixonado desde a juventude. Para isso, convidou a irmã, Margarida, também septuagenária, para frequentarem as aulas. Só parou após ter completado todos os cinco livros didáticos, que agora aproveita para revisar em casa. "Por enquanto, estou recapitulando sozinho, mas quero voltar a estudar", diz. Rocha participou por dois anos e meio de uma turma de até nove alunos, de diferentes idades dos 15 aos 70 anos . "Eu era o mais velho", conta, aos risos.
A pedagoga Denise Goulart, mestre em Educação e doutoranda em Gerontologia Biomédica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), lembra que a participação constante em atividades que estimulem o aprendizado e a memória traz vários benefícios ao idoso. "A perda de memória pode ser evitada ou, ao menos, adiada se forem estimulados mecanismos preventivos como o prolongamento do processo ensino-aprendizagem", afirma.
Autora de vários trabalhos sobre as dificuldades cognitivas na terceira idade, Denise ainda ressalta que é preciso considerar as características de cada indivíduo nesse processo. "O idoso apresentará diferentes condições e maneiras para aprender, conforme suas experiências vividas." O relato de Denise explica a facilidade que Rocha teve em seu último curso. Além da língua inglesa, ele já se aventurou também no francês e no alemão, e, nas horas vagas, gosta de ler e jogar xadrez. "O importante é manter a mente ativa. Esse é meu objetivo".
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