Medicina
Morte por asfixia leva pelo menos dez minutos para ocorrer
Para que haja morte em decorrência de asfixia, o que ocorreu com a maior parte das vítimas de Santa Maria (RS), são necessários pelo menos dez minutos de exposição à fumaça tóxica. A avaliação é do pneumologista Humberto Bogossian, do Hospital Albert Einstein, de São Paulo.
De acordo com o profissional, em casos de incêndio, as vítimas ficam expostas a três fases de contaminação e risco que, em conjunto, sem cuidados médicos, levam à morte.
A alta temperatura causa uma lesão térmica no sistema respiratório, queimando a mucosa respiratória. Além disso, a diminuição do nível de oxigênio no ar provoca a falta do elemento no sangue e o início da morte de células cerebrais. A terceira fase da contaminação, segundo o pneumologista, é o contato com o monóxido de carbono, que afeta o transporte de oxigênio pelo corpo. "A somatória desses eventos e a situação de caos dentro da boate, que vai provocar mais consumo de oxigênio ainda, vão tornar difícil uma reação do organismo. A pessoa acaba morrendo."
Depoimentos
"A banda que estava no palco começou a usar sinalizadores e, de repente, pararam o show e apontaram [o sinalizador] para cima. Aí o teto começou a pegar fogo, estava bem fraquinho, mas em questão de segundos começou a se alastrar."
Michele Pereira, 34 anos, auxiliar de escritório.
"Compartilho o luto da cidade, que é o luto do Rio Grande do Sul e de todo o pais."
Tarso Genro, governador do Rio Grande do Sul.
"É culpa de quem usou a pirotecnia. A banda sim [poderá ser indiciada] porque a atuação deles é que deu vazão ao incêndio."
Sandro Meinerz, um dos delegados responsáveis pela investigação.
O delegado Sandro Meinerz, um dos responsáveis pela investigação do incêndio ocorrido na boate Kiss, em Santa Maria (RS), que vitimou 233 pessoas, afirmou ontem que os integrantes da banda que tocava no local e cujo uso de fogos de artifício indoor teria dado origem ao incêndio podem ser indiciados por homicídio culposo quando não há intenção de matar.
"Doloso não, culposo sim. É culpa de quem usou a pirotecnia. A banda sim [poderá ser indiciada] porque a atuação deles é que deu vazão ao incêndio e é preciso checar se eles podiam fazer aquilo ou não", afirmou o delegado. A banda Gurizada Fandangueira, popular entre os gaúchos, era o grupo que se apresentava no momento do incêndio.
Segundo Meinerz, a faísca do sinalizador usado no palco pela banda foi puxada pelo exaustor da boate e isso causou o incêndio por cima da espuma, o que pode ter gerado fumaça tóxica.
Nenhum dos três proprietários da boate Kiss foram ouvidos até a noite de ontem, mas um dos donos havia procurado a polícia durante a madrugada e afirmou que se apresentaria para depoimento ainda ontem.
"Queremos saber se há uma coincidência do que consta documentalmente com o que efetivamente acontece. A gente sabe que nesse meio há proprietários que usam nomes de terceiros [no negócio]", comentou Meinerz, que ressaltou que os donos também podem ser indiciados por homicídio culposo.
Até a tarde de ontem, a polícia tinha ouvido cerca de 20 testemunhas. A investigação será acompanhada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul.
Alvará
De acordo com o Corpo de Bombeiros, o alvará da boate estava vencido desde agosto de 2012. O pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro Moacir Duarte diz que as pessoas foram vítimas de uma "desorganização primária". "Um vistoria simples, de menos de duas horas, feita por um bombeiro, bastaria para vetar o local para a realização de shows", disse.
A administração da boate Kiss anunciou "com grande pesar" a tragédia em sua página do Facebook. Segundo a nota, "a prioridade da casa é prestar o atendimento necessário aos sobreviventes e familiares das vítimas fatais". O comunicado, assinado por Armando C. Neto, afirma que os funcionários eram treinados para situações de emergência.
O guitarrista da banda afirmou que um curto-circuito provocou o fogo. Em entrevista à Rádio Gaúcha, Rodrigo Martins afirmou que a banda já havia utilizado fogos em outros shows, sem nenhum tipo de problema.
Jornais levam a tragédia para o mundoDas agências
A tragédia em Santa Maria (RS) não foi acompanhada apenas por brasileiros. Noticiários internacionais levaram o drama para outros cantos do mundo.
A rede americana CNN relatou o incidente na televisão e também na internet. Uma das notas dizia que o episódio lembra a tragédia de 2003 em uma boate em Rhode Island, onde uma apresentação de fogos de artifício feita pela banda de heavy metal Great White provocou um incêndio que matou mais de 90 pessoas.
O jornal americano The New York Times relatou o desespero das vítimas tentando escapar do acidente. Uma reportagem do site da britânica BBC falava sobre a rapidez com que as chamas se alastraram, deixando pouco tempo para as pessoas saírem do local.
O jornal espanhol El País deu destaque para a notícia em seu portal. O texto escrito pelo correspondente no Rio de Janeiro, Francho Barón, afirmava que a boate foi totalmente destruída e alertava para o risco de desabamento do local.
Ontem, o incidente também estava na capa dos portais dos jornais Le Monde e Le Figaro, da França. Ainda na Europa, a notícia foi manchete do jornal inglês Guardian, do espanhol El Mundo.
Argentina
Na Argentina, a notícia foi o principal destaque dos jornais Clarín e La Nación. O país teve uma tragédia parecida em 2004, quando 194 pessoas morreram após um integrante da banda Callejeros lançar um sinalizador na boate República Cromagnon, em Buenos Aires.
Dilma visita parentes de vítimas e se emocionaAgência Brasil
A presidente Dilma Rousseff (foto acima) visitou na tarde de ontem o ginásio de esportes de Santa Maria (RS) para demonstrar apoio a parentes das vítimas. Ela estava reunida com dirigentes de vários países no Chile e retornou ao Brasil pela manhã. Emocionada, Dilma chorou ao comentar a tragédia. "Quem precisa de mim, hoje, é o povo brasileiro e é lá que eu tenho de estar. Eu queria dizer o quanto, nesse momento de tristeza, nós estamos juntos." A presidente disse ainda que todos os ministros estão mobilizados para prestar toda ajuda possível às vítimas e aos familiares envolvidos na tragédia. Em Santa Maria, Dilma ainda passou no Hospital da Caridade, onde parte dos feridos é atendida.
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