Sem liderança, evento perdeu foco e resultou em passeatas violentas
Thomas Rieger, especial para a Gazeta do Povo
O plano da organização da 2.ª Farofada do Transporte, com quase 80 mil participantes confirmados no evento aberto no Facebook, era promover "performances, atos artísticos, cênicos e musicais" na Praça Rui Barbosa, no Centro, e discutir problemas da cidade sem sair em marcha. O que aconteceu, no entanto, foi uma caminhada desordenada de diversos grupos que nem sequer sabiam qual rumo estavam tomando.
Os manifestantes ignoravam os gritos de uma das organizadoras, Kaley Michelle, que pedia para que ficassem na praça. Grupos de manifestantes se espalharam em diferentes passeatas. Uma delas descia a Rua Westphalen, sentido Rebouças, sem uma liderança definida. A maioria das pessoas nesse grupo dizia que só estava seguindo o fluxo paradoxalmente, entoando coros como "o povo acordou".
O trajeto, debaixo de muita chuva e vento forte, seguiu pela Avenida Sete de Setembro, passou pela Praça do Japão, cuja biblioteca foi pichada com o símbolo da anarquia, e desceu pela Avenida Getúlio Vargas. Quando a massa, de cerca de mil pessoas, aproximou-se da Arena da Baixada, começou o primeiro confronto. Membros da torcida organizada "Os Fanáticos", do Atlético, decidiram "proteger o patrimônio público" e, munidos de paus, pedras e rojões, enfrentaram o grupo que se aproximava do estádio. Foi uma briga violenta, com muita pancadaria e manifestantes feridos.
Na chegada da passeata à Avenida Cândido de Abreu, mais um momento caótico. Apesar da força massiva da tropa de choque da Polícia Militar, que disparava balas de borracha e bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo, os manifestantes violentos não recuavam e continuavam a atacá-los enquanto destruíam estações-tubo, lojas e prédios públicos, como a prefeitura e o Fórum Cível. Depois de uma hora e meia de conflito, os vândalos finalmente desistiram e fugiram, deixando para trás um rastro de destruição do patrimônio pago pelos curitibanos.
R$ 1,5 milhão foi o prejuízo com a depredação de quatro estações-tubo, mobiliário urbano e do prédio da administração municipal.
A dimensão violenta dos protestos que ocorreram em diversas cidades na última semana e que em Curitiba culminou com uma onda de vandalismo no Centro Cívico, na noite de sexta-feira é uma ameaça à legitimidade buscada por movimentos que viram nas ruas o local para expressarem suas ideias e o sentimento de indignação com a política brasileira. Ao caminhar para a agressão, as manifestações afugentam pessoas que se sentiram motivadas a participar e causam prejuízo à administração pública e donos de estabelecimentos comerciais.
Somente em Curitiba, a conta da prefeitura é que houve um prejuízo de estimados R$ 1,5 milhão com a depredação de quatro estações-tubo, mobiliário urbano e do prédio da administração municipal. Ao longo da Avenida Cândido de Abreu, além da prefeitura, alguns órgãos do Judiciário tiveram vidros quebrados. Vários estabelecimentos comerciais foram pichados. Todos os bancos da região, uma lotérica, um salão de beleza, uma farmácia e a sede do Jornal do Estado foram atacados. Durante o confronto 31 pessoas foram presas e três policiais militares ficaram feridos.
A reação do prefeito Gustavo Fruet ao ver o resultado do protesto foi pedir uma punição dura para os detidos. "As manifestações, a cobrança, são algo legítimo, mas não podemos aceitar esse tipo de atitude. Curitiba não é assim. Sempre passamos uma imagem de respeito e civilidade para o mundo. Não podemos tolerar isso e vamos exigir uma punição dura para essas pessoas".
O governador Beto Richa criticou a participação de grupos violentos na passeata, alguns portando bombas de fabricação caseira e disse que a polícia vai investigar os autores do vandalismo. "Sempre fui favorável às manifestações ordeiras, pacíficas, que fazem parte da democracia. Mas não aceito atos violentos e vandalismo promovidos por uma minoria que tem outros objetivos", disse, ontem, em entrevista coletiva no Palácio Iguaçu.
Legitimidade
O risco da associação a um movimento que não consegue impedir o vandalismo é um fator que pode esvaziar as manifestações e afastá-las da construção de uma pauta de reivindicações que possa avançar. "A intervenção de pessoas mascaradas e usando lenços no rosto desvirtua todo o movimento. Quem quer um debate político sai de cara limpa", diz o sociólogo e cientista político Ricardo Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Oliveira argumenta que a escalada de violência está contribuindo para o esvaziamento das manifestações, já que as pessoas que querem paz se sentem ameaçadas. "Não apenas as autoridades, mas a sociedade civil precisa reagir. Ela precisa decidir se quer uma democracia definida por violência nas ruas ou pela participação cidadã, com instituições, tolerância e respeito", destaca Oliveira.
A falta de lideranças políticas e de foco na pauta de reivindicações dos protestos podem ser causas do agravamento da violência nos últimos dias, porque abre espaço para a expressão de radicais e dificulta a reação do poder público. Diz o cientista político Emerson Cervi, professor da UFPR: "Os governos estão perdidos, agindo o mínimo possível para não receberem críticas".
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