Com a oposição enfraquecida e isolada no Congresso, o presidente Michel Temer (PMDB) acabou por esbarrar em alguém que equilibrou o jogo do poder no outro endereço da Praça dos Três Poderes: o Supremo Tribunal Federal (STF). Mais especificamente na presidente da Corte, Cármen Lúcia.
Empossada no comando do STF em setembro, ela se tornou peça-chave dos principais acontecimentos do fim do ano passado e do início de 2017 com impactos no governo federal: a crise institucional entre Judiciário e Congresso, a renegociação das dívidas dos estados com a União, a crise carcerária e, agora, a indicação do novo ministro do Supremo e os rumos da Operação Lava Jato. E pode vir a influenciar decisivamente na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados – marcada para a próxima quinta-feira (2).
Planalto teme que projeção torne a ministra alternativa à sucessão de Temer
A dona do jogo
Momentos importantes em que Cármen Lúcia assumiu o protagonismo e deixou o Planalto na rabeira ou preocupado com a atuação dela:
Crise institucional
Cármen Lúcia foi uma das “bombeiras” que apagou a crise entre o Judiciário e o Congresso, no fim do ano passado. A pedido do Planalto, que temia uma paralisia no Legislativo e uma ofensiva “vingativa” de juízes, ela participou decisivamente da articulação que reverteu o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado, decisão que havia sido tomada pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello. Temer ficou com uma dívida de gratidão com a ministra.
Crise financeira dos estados
No início do mês, Cármen Lúcia concedeu duas liminares ao governo do Rio que impediram o bloqueio de um total de R$ 373 milhões. A verba havia sido bloqueada devido ao descumprimento do contrato de renegociação das dívidas do estado com a União. A medida garantia alívio financeiro ao Rio, mas preocupou o Planalto. O temor era de que o ajuste fiscal ficasse comprometido caso outros estados conseguissem liminares semelhantes. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o próprio Temer procuraram a ministra para ela “reconsiderar”. Cármen Lúcia aceitou suspender a tramitação da ação do Rio.
Crise carcerária
Cármen Lúcia assumiu a dianteira das discussões para solucionar a superlotação das penitenciárias muito antes de a crise carcerária ter estourado, no início do ano. Visitou presídios, defendeu os mutirões carcerários. Causou ciúmes no Planalto, que apenas reagiu aos acontecimentos.
Sem melindres
A ordem no Planalto é evitar qualquer atrito com Cármen Lúcia – considerada por assessores como “enigmática” demais. Com a caneta para definir a pauta do Supremo e tomar medidas judiciais de caráter urgente, a presidente do STF tem potencial para causar grandes embaraços a Temer. E esse “risco” vai acompanhá-lo por quase todo seu mandato. Ela só deixa a presidência do Supremo em setembro de 2018, pouco antes do fim do mandato do peemedebista.
Até mesmo a escolha do sucessor no STF do ministro Teori Zavascki de alguma forma vai ser decidida em função da presidente da Corte. Nos bastidores, aliados do presidente dizem que ele pretende escolher um nome que agrade (ou ao menos não desagrade) à ministra. “Temer está numa saia-justa com a Cármen Lúcia”, resume o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB).
Receio imediato
O receio mais imediato do Planalto é com relação à eleição para a presidência da Câmara. O governo apoia informalmente a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ). Mas Cármen Lúcia pode barrar a candidatura dele.
Adversários do atual presidente da Casa ingressaram no Supremo com pedidos para impedir a candidatura dele, usando como argumento o artigo da Constituição que proíbe a reeleição de integrantes da mesa diretora numa mesma legislatura – Maia argumenta que essa regra não vale para o caso dele, que virou presidente da Câmara num mandato-tampão, após a renúncia de Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
O caso caiu nas mãos de Cármen Lúcia, pois o STF está em recesso até a próxima terça-feira (31); e todas as decisões urgentes, nesse período, são tomadas pela presidente. No último dia 16, a ministra deu um prazo de dez dias (vencidos na quinta-feira passada) para que Maia se pronunciasse sobre a ação que pede para que ele não seja candidato.
Delações andando
Nos últimos dias, Cármen Lúcia também tomou para si a responsabilidade por outros assuntos delicados para o governo. Após a morte de Teori, que era relator da Lava Jato no Supremo, a ministra decidiu não atrasar o andamento da homologação das delações premiadas dos 77 executivos da empreiteira Odebrecht que aceitaram colaborar com a Justiça.
Em tese, isso deveria ser feito pelo novo responsável pelo caso – que ainda não foi escolhido. Mas um acerto entre Cármen Lúcia e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, permitiu a retomada dos trabalhos. Janot formalizou um pedido de urgência das homologações – permitindo que ela decidisse sobre o assunto. E a presidente da Corte determinou que, mesmo sem Teori, os auxiliares dele tinham de realizar as audiências de homologação das delações.
A combinação entre Cármen Lúcia e Janot frustrou a expectativa de políticos que esperavam um atraso na “delação do fim do mundo”. Teori queria homologá-las e torná-las públicas já em fevereiro. Com sua morte, isso poderia atrasar. Mas o prazo tende a se manter, especialmente se ministra decidir que ela própria também vai assumir a responsabilidade por referendar as colaborações premiadas da Odebrecht. A presidente do STF ainda não tomou uma decisão sobre isso. Mas o Planalto já tornou pública sua insatisfação com a possibilidade de a homologação ser feita por Cármen Lúcia e não pelo novo relator da Lava Jato.
As delações da Odebrecht vão trazer sérios problemas para o Planalto: haverá citações de ministros, congressistas e até mesmo do próprio Temer.
Planalto teme que projeção torne a ministra alternativa à sucessão de Temer
Planalto e aliados nutrem uma preocupação adicional com relação ao protagonismo da presidente do STF, Cármen Lúcia: o receio de que ela se torne uma alternativa viável para suceder o presidente Michel Temer. Isso poderia ocorrer em duas hipóteses – caso o mandato de Temer seja cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e na eleição presidencial de 2018.
O julgamento de Temer no TSE tende a ocorrer ainda neste ano. Se o presidente perder o cargo, o Congresso teria de escolher o sucessor em 30 dias. Cármen Lúcia poderia surgir como uma opção: é equilibrada; não enfrenta denúncias de corrupção; não tem vínculos partidários; e eventualmente teria o apoio da opinião pública devido a sua atuação em temas importantes da agenda nacional.
A segunda hipótese seria de que a presidente do Supremo se destacasse tanto até a eleição de 2018 que decidisse concorrer. O cientista político David Fleischer diz que, diante do cenário de envolvimento das principais lideranças políticas do país no escândalo da Lava Jato, um nome como o de Cármen Lúcia pode vir a ser uma alternativa viável. “Durante o mensalão, o nome do [ex-ministro do STF] Joaquim Barbosa sempre era lembrado [para a Presidência]”, lembra Fleischer.
Até agora, porém, Cármen Lúcia não deu qualquer sinal concreto para alimentar os temores dos aliados de Temer.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”