Karen Armstrong diz que toda vez é a mesma coisa. Ela explica que é especialista em história das religiões e lá vem a cantilena: “as religiões causaram todas as guerras do mundo”. Pode ser num táxi ou numa universidade, o bordão não falha. Você também deve ter ouvido isso nos últimos dias. A diferença é que ela, tendo passado a vida estudando isso, pode responder com uma erudição infinita. Resposta, aliás, que cabe em uma palavra. Não.
A prova mais evidente são as duas maiores guerras do século vinte (e da História). Nem a Primeira nem a Segunda Guerra foram causadas por religião. Mas em seu novo livro, Campos de Sangue, ainda inédito no Brasil, Karen Armstrong vai muito mais longe pare defender sua tese. Começa explicando as religiões mais antigas de que temos conhecimento e avança por todos os momentos em que violência e fé estiveram juntas, para tentar entender qual é a relação entre uma coisa e outra.
O livro é brilhante. E chega a um ponto especialmente importante para nós, que vivemos este tumultuado início de século vinte e um, nos capítulos finais, quando ela discute o fundamentalismo e a ação de grupos islâmicos dispostos a explodir bombas em nome de uma causa. Mas, de acordo com ela, você não tem como entender isso se não fizer justamente o que o livro fez: primeiro olhar como as coisas aconteceram historicamente.
No caso do Oriente Médio, é preciso lembrar, por exemplo, que a França napoleônica invadiu o Egito dois séculos atrás. Todo mundo se lembra da aulinha na escola sobre os “séculos que nos contemplam” do alto das pirâmides. A conexão que muitas vezes fica faltando na aula é a que nos levaria a perceber que naquele momento o Ocidente estava se arrogando uma superioridade sobre os países da Ásia e da África e iniciando um novo colonialismo.
Nos últimos duzentos anos, com diferenças de lugar para lugar e de época para época, houve diversas tentativas de “ocidentalizar” o Oriente Médio. Algumas violentas, como as que aconteceram na Turquia de Atatürk e no Irã do xá Reza Khan. A ideia era tirar os muçulmanos do “atraso” modernizando seus governos. Na Turquia, o ditador considerava o Islã um “cadáver putrefato”. No Irã, a polícia recebeu ordem de abrir fogo contra manifestantes que pacificamente reclamavam da proibição de usar as vestes tradicionais.
Karen Armstrong diz, numa frase lapidar, que “você pode tirar a religião do Estado, mas não da nação”. Os devotos viram e veem essa ocidentalização forçada como uma tentativa de acabar com seu mundo. Não é pouca coisa: imaginar-se vítima de uma conspiração que quer acabar com seu modo de vida, com quem você é, com suas tradições, com seu mundo. No Ocidente, essa modernização e o Estado laico vieram por debates e revoluções internos. No Oriente Médio, tentou-se fazer isso à força, de fora.
O resultado foi que se criou um exército de ressentidos que se veem como última barreira para que sua comunidade não seja apagada no tempo. E eis o grande problema a ser enfrentado. De um lado, essa política criou fanáticos perigosos. De outro, colocou a Europa e o Ocidente em risco. Mas a cada vez que o Ocidente reage com violência contra esse fanatismo (que é verdadeiramente aterrorizante e bárbaro) só cria na população que sofre os bombardeios a impressão de que, realmente, querem acabar com o tipo de vida que eles levam. E o apoio aos fanáticos tende a crescer.
Portanto, nessa hora, como em todas as outras, o melhor é pensar, se informar e estudar. Porque só repetir platitudes não vai ajudar em nada a resolver os problemas do mundo.
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