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Sabe aquelas contagens que as empresas costumam fazer: "Estamos há tantos dias sem acidentes de trabalho"? Acho que na América Latina deveríamos colocar, em algum lugar do continente, um placar do gênero. "Estamos há tantos anos sem novos golpes de Estado". Mês passado, essa placa teria voltado ao zero novamente.

O golpe de Estado em Hon­­duras me preocupa por vários motivos. Primeiro, é claro, porque sou um democrata. E qualquer instabilidade política – ainda mais em um país vizinho – me parece algo triste. Cresci vendo a situação na Amé­­rica Latina melhorar: quando o Brasil voltou à democracia, eu era uma criança. Aos 15, vi acabar o regime de Pinochet, e o continente quase inteiramente voltar a ser uma democracia. Agora, isso.

Há muita gente argumentando que o golpe de Estado em Honduras não foi realmente um golpe. A Constituição do país, no artigo 42, prevê a perda do direito de cidadania para quem "incitar, promover ou apoiar o continuísmo ou a reeleição do Presidente da República".

Mas o pretexto para a derrubada do presidente foi a consulta que seria realizada no dia 28 de junho. Manuel Zelaya, eleito em 2005, que­­ria a convocação de uma Assembleia Cons­­tituinte. Pre­­tendia fazer um plebiscito. Antes disso, faria a consulta. Não chegou a fazê-la porque foi derrubado.

Qual era a pergunta a que o povo responderia? "Você está de acordo que nas eleições gerais de 2009 se instale uma quarta urna, na qual o povo decida a convocação a uma Assembleia Nacional Constituinte?" Nada sobre segundo mandato, reeleição ou continuísmo.

Zelaya, aliás, tem dito que não tentaria a reeleição em 2010. Mas os seus opositores supuseram que ele queria a Assembleia Consti­­tuinte para forçar um segundo mandato. E que ele disputaria o segundo mandato. E que, portanto, estaria infringindo a cláusula "anticontinuísmo" da Constituição. Sendo assim, para evitar o crime, depuseram o presidente.

Os militares fizeram mais: além de retirar Zelaya do poder, expulsaram-no do país. Isso nem a interpretação mais ousada da Constituição permitia. Fizeram ainda mais: supenderam direitos, decretaram toque de recolher. E agora a volta do presidente derrubado ao país pode causar um problema ainda maior.

De tudo isso, o que mais me preocupa, porém, já que nos afeta mais diretamente, é a série de interpretações equivocadas que se ouvem sobre o assunto. O golpe em Honduras revelou um continente ainda mais dividido do que eu imaginava.

De um lado, estão os "chavistas". São o grupo supostamente de es­­querda que diz estar substituindo no poder a antiga elite. É o discurso contra a exploração do povo, da igualdade. De outro, os "antichavistas", que consideram esse discurso ultrapassado e populista. Dizem que Chávez e seus assemelhados tentam apenas se perpetuar no poder, ignorando a democracia.

E você tem de estar de um lado ou de outro. Com o golpe em Honduras, isso ficou ainda mais claro. Na imprensa, os "colunistas de esquerda" e os blogueiros de mesma orientação usam a situação para mostrar o quanto o "antichavismo" é perverso e elimina re­­gimes populares. De outro, a principal voz da direita no país hoje, o blogueiro Reinaldo Aze­­vedo, faz campanha contra o "bolivarianismo" do presidente que teria, na intuição dele, infringido a lei.

Modus in rebus, diria eu. Não é hora de usar o problema de um país para fazer campanha política. O papel da imprensa deveria ser o da análise dos fatos, não o do panfletarismo. E o nosso papel como cidadãos deveria ser o de não cair nem na esparrela de um lado nem do outro. E continuarmos nos prevenindo, de preferência, contra os dois. Chavistas e antichavistas estão virando fanáticos. E eu não quero nada com fanatismos alheios.

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