Alfred Hitchcock costumava dizer que o décimo primeiro mandamento era: "Não serás pego". A brincadeira é óbvia: normalmente se diz que você não deve fazer nada de errado. Hitchcock, com seu humor britânico, dizia que o importante era só não deixar rastros. Pura ironia, claro. Mas, em política, muita gente leva isso a sério. Respeitar as regras não é tão importante. Errar, tudo bem. Ser pego no erro, jamais.
O governador Requião, no entanto, cometeu um ato falho na semana que passou. Desrespeitou o costume dos políticos. Trouxe ao conhecimento do público uma prática que, usualmente, preferem esconder. Estamos falando da prática dos "favores especiais". Na Escola de Governo, Requião disse que os deputados estaduais tinham duas escolhas. Numa, votavam com o governo e davam 6% de reajuste aos servidores públicos. Na outra, faziam emendas para dar um valor maior. Mas aí vinha a ameaça (que Requião preferiu chamar de apelo).
Segundo o governador, quem votasse por um reajuste maior, que segundo ele é impossível neste momento, estaria imediatamente cortado da base de apoio do governo na Assembleia. E traduziu: não adiantava depois ir pedir audiências, solicitar favores especiais para municípios. Que não o incomodassem.
Apenas duas palavras, "favores especiais", que dizem tanto sobre como funciona um governo. É a famosa troca de interesses. O governo precisa de maioria no Legislativo. Os deputados precisam fazer moral com seus eleitores mas não têm como tocar obras por conta própria. Então, faz-se o pacto silencioso: os deputados abdicam de seu poder de votar de acordo com o que pensam e apoiam o governo. Como recompensa, recebem obras em seus municípios que podem dizer que são "suas".
Todos saem ganhando, certo? Errado. Há o detalhe que quase sempre é esquecido quando se fecha esse tipo de negócio: os cidadãos. O povão, nesse esquema, vira mera massa de manobra para ambos os lados. Para os deputados, se transforma no contingente de votos necessários para garantir o próximo mandato.
Para o governo, criam-se duas castas diferentes: aqueles que moram em municípios interessantes para um deputado da situação recebem as melhorias. Os outros... Que esperem. Afinal, há os que são dignos de "favores especiais". E há os que não são.
Na mesma semana, Requião anunciou uma duplicação de rodovia em Colombo. E garantiu que a obra só saiu porque ele foi convencido por uma deputada de seu partido. A deputada, sorridente, colherá votos na próxima eleição. O governo ganhou um voto para seus próximos interesses. E os moradores levaram a estrada. Mas e os outros moradores? E as outras estradas?
Mais do que isso, no entanto, há uma perda importante para a própria democracia. Afinal, 220 anos atrás o povo francês foi às ruas para garantir a existência de algo até então utópico: um governo em que as decisões não pertencessem a um único indivíduo, a um rei. Um governo em que o Executivo tivesse de passar seus atos pelo crivo de representantes do povo. E é isso que se deteriora no mundo dos "favores especiais". A independência dos poderes vira um mito. Vira, novamente, uma utopia.
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