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Fui levado recentemente, por motivos que não cabe aqui explicar, a pensar sobre o que é justiça. E aprendi que a definição clássica é a de que ser justo é dar a cada um o que lhe é devido. A Justiça com "J" maiúsculo, portanto, tem essa como sua principal atribuição: não só dar bens a cada um conforme seja direito, mas também dar a cada um as punições que lhe sejam cabíveis, etc. Sem dúvida, uma boa definição.

De um tribunal de Justiça, espera-se que faça essa bela função. Principalmente, julgando com imparcialidade as ações que lá chegam. Mas é preciso mais. É preciso que o próprio tribunal seja justo. Com seus funcionários e com a população que banca o seu funcionamento. E é por isso que as informações reveladas nos últimos dias causaram, no mínimo, espanto na população.

Recapitulando: os salários dos servidores da Justiça estadual tiveram, por determinação do Conselho Nacional de Justiça, de ser colocados na internet, para que todos os cidadãos possam vê-los. Trata-se de transparência, um santo remédio contra vários vícios do poder público. Aliás, diga-se de passagem, o CNJ se tornou a melhor novidade do Judiciário em décadas. Está obrigando a Justiça brasileira a deixar uma posição confortável de enclausuramento e passar a prestar mais contas de seus atos à população.

O problema surgiu quando alguns salários se mostraram muito, muito acima do que a maioria das pessoas estaria disposta a compreender. Segundo as informações do próprio TJ, conforme mostrou ontem esta Gazeta, houve em dezembro um escrivão recebendo R$ 100 mil. Para esse e para mais um supersalário de mais de R$ 60 mil, o presidente do tribunal, desembargador Carlos Hoffmann, apresentou ontem uma justificativa: seriam casos excepcionais, de gente que recebe acima do teto legal até por força de decisão judicial. Ok. Princípio da presunção de inocência: até prova em contrário, acredita-se que tudo está dentro da lei.

Mas estar dentro da lei é pouco para que a Justiça esteja sendo feita. É preciso que cada um receba o que lhe é devido. Será que os supersalários se justificam nessa definição?

Esqueça os casos acima. Entre os salários recebidos estão, por exemplo, o caso de um copeiro que ganha R$ 8,5 mil. O de um auxiliar administrativo que recebe R$ 13 mil. Um ascensorista com salário de R$ 6,6 mil.

Claro que seria ótimo se todos os copeiros, auxiliares administrativos e ascensoristas pudessem ganhar isso. Mas essa, definitivamente, não é a realidade. Nem aqui, nem em qualquer outro país do mundo. O presidente do TJ deu ontem sua versão para o caso. "Não se pode comparar a atividade privada com a pública. A atividade pública tem uma disparidade de remuneração com a atividade privada. Agora, eu acho que a qualificação do profissional em qualquer setor público merece ser bem remunerada."

A todos é dado o direito de opinião. O desembargador tem a sua. A população parece ter outra bem diferente. E é saudável a indignação da população. E é saudável que o TJ tenha de se explicar – coisa que nunca acontecia antes. Por­­­que, afinal, para um tribunal de Justiça, fazer tudo dentro da lei é muito pouco. É preciso que se faça tudo de modo justo.

Lendo sobre a justiça vi que Kant escreveu uma frase forte. "Se a justiça desaparece, é fato sem valor os homens viverem sobre a terra". Não sou Kant. E não sou juiz de ninguém. Mas para mim é claro que, quando o Judiciário perde credibilidade, nossa sociedade sofre um golpe sério. Tomara que as explicações que ainda hão de vir sejam mais detalhadas – e mais convincentes.

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