Bem na surdina, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) seguiu uma ordem do governador Beto Richa e foi ao 2.º Cartório de Registro de Imóveis de Foz do Iguaçu para registrar como de propriedade do estado do Paraná uma área de 1.008 hectares dentro do Parque Nacional do Iguaçu justamente a parte onde se situam as Cataratas do Iguaçu, declaradas pela Unesco Patrimônio Natural da Humanidade e recentemente incluídas entre as Sete Maravilhas do Mundo.
O registro em cartório se deu no dia 2 de fevereiro passado, mas só ontem, quase três meses depois, é que o governo federal ficou sabendo do fato graças a uma notícia publicada no jornal A Gazeta, de Foz do Iguaçu. O Parque Nacional do Iguaçu foi criado há 73 anos por decreto de Getulio Vargas e, desde então, é administrado pela União. Atualmente, o órgão responsável pela sua manutenção é o Instituto Chico Mendes, uma autarquia do Ministério do Meio Ambiente.
A estupefação que a notícia causou não tinha ainda sido superada até o fim da tarde de ontem. Dirigentes do instituto ainda procuravam entender os reais motivos que levaram o governo paranaense a, repentinamente, declarar-se legítimo dono da monumental cachoeira um local que atrai mais de um milhão de turistas por ano, número menor apenas do que o afluxo de estrangeiros ao Rio de Janeiro.
Segundo o diretor do Parque Nacional do Iguaçu, Jorge Pegoraro no cargo desde 2003 , a cobrança de ingressos gera arrecadação anual de R$ 16 milhões, que é recolhida para os cofres da União. Parte desse valor é revertido para a manutenção do próprio parque, cuja área totaliza 180 mil hectares, e o restante é aplicado em outros parques nacionais.
A história
A invocação do direito às Cataratas por parte do Paraná tem origem histórica. Tudo começou em 1916 quando Santos Dumont, em visita a Foz do Iguaçu, ficou maravilhado com o que viu e decidiu pedir ao então governador do estado, Afonso Camargo, que desapropriasse a área e a transformasse num parque aberto à visitação pública. Camargo aceitou a ideia imediatamente e mandou publicar o Decreto n.º 653 no Diário Oficial do estado. Ali era uma fazenda, pertencente ao uruguaio Jesus Val, que, inconformado, recorreu à Justiça. Em 1919, porém, por meio de um acordo amigável, o título de propriedade foi transferido ao estado e registrado num cartório de Curitiba.
Entretanto, já no Estado Novo, em 1937, Getulio Vargas decretou a criação do Parque Nacional do Iguaçu. Em 1939, outro decreto de Vargas deixou claro que dele faziam parte as Cataratas. Em 1981, para que não houvesse dúvidas sobre quem mandava na área, o presidente João Figueiredo baixou outro ato estabelecendo os atuais limites do parque, neles incluídas as Cataratas e, logicamente, o Hotel Internacional das Cataratas, situado à sua margem direita, também pertencente à União, que o construiu.
Apesar de tais decretos presidenciais, nunca houve nenhum ato específico de transferência da pequena mas estratégica porção do parque para o domínio da União. Assim como não houve também, nesses 73 anos, nenhuma contestação por parte do estado contra o suposto esbulho que teria sofrido.
Por quê?
Por que o governo estadual decidiu agora mostrar que é dono do pedaço? O assessor especial de Beto Richa para assuntos fundiários, Hamilton Serighelli, explicou: "É um resgate histórico e agora o governador quer que tanto o estado como o povo do Paraná participem da gestão dessa área". Segundo ele, o estado sempre teve dificuldades de conversar com Brasília sobre o parque, mas "agora não, tudo vai mudar. A área não é parque nacional. Quem tem a posse da região é o estado, que nunca transferiu", destacou Serighelli.
A Secretaria do Patrimônio da União (SPU) não quis se manifestar oficialmente sobre a questão. Espera antes obter informações mais detalhadas sobre as pretensões do governo paranaense.
A pergunta que permanece é: por que o governo estadual decidiu, de uma hora para outra e sem consulta ou negociações prévias, não deixar dúvidas cartoriais de que é dono do local? Ambientalistas têm outra pergunta: por que o estado não gasta sua energia cuidando melhor dos parques estaduais, como o de Vila Velha, que só no ano passado teve 160 hectares destruídos por queimadas?
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