Os vereadores de Curitiba serão importunados hoje por uma turma que, levando faixas e cartazes além dos costumeiros gritos de guerra, exigirá que eles reduzam seus salários. Isso faz parte da “onda” que começou com sucesso em Santo Antônio da Platina (Norte Pioneiro), se espalhou por outros municípios do Paraná e chega a rincões mais distantes do Brasil.
O povo acha demais o que ganham os nobres edis. O salário deles é da ordem de R$ 15 mil mensais. Como são 38, o contribuinte gasta com eles a soma de R$ 6,8 milhões por ano. Pouco, quando se leva em conta que o orçamento de Curitiba chega a R$ 8,5 bilhões. Portanto, o salário dos vereadores não representaria mais do que 0,08% – quase nada! Logo, reduzir seus ganhos representaria pouco benefício para a cidade.
Mas, como alerta o atento leitor A.O.C., o cálculo não é assim tão simples. Para ele, “o principal não é salário, mas realmente quanto eles custam aos cidadãos de Curitiba”. E aí a conta tem de ser feita de modo diferente: deve-se pegar o quanto de dinheiro proveniente do orçamento municipal é destinado anualmente à Câmara e dividi-lo pelo número de vereadores e pelos 12 meses do ano. Concretamente: em 2015, o orçamento da Câmara constante da LDO é de R$ 148 milhões – valor que, dividido por 38, dá R$ 3,9 milhões. Agora, pegue esse número e divida por 12 meses para se saber quanto custa cada vereador ao povo: dá R$ 325 mil por mês para cada um!
É esse número que faz a porca torcer o rabo: vale a pena para o cidadão curitibano entregar R$ 325 mil todos os meses para cada vereador para que ele devolva o dinheiro à sociedade na forma de nomes de ruas, títulos honoríficos aos amigos e/ou exerçam seus mandatos atuando apenas como meros despachantes das demandas pontuais das respectivas paróquias?
Pensando assim, de novo podemos estar caindo em outra armadilha do raciocínio simplório: como se gasta demais, o melhor seria logo acabar com o Poder Legislativo nos municípios, nos estados e no próprio país? Afinal, câmaras, assembleias e Congresso custam o olho da cara para cada brasileiro trabalhador e contribuinte, que quase não vê ou não sente resultados de seus trabalhos.
Essa é a armadilha em que os simplórios podem cair: ao contrário do que consideram, o Poder Legislativo, em todas as esferas, é absolutamente indispensável. Sem ele, viveríamos uma situação de ditadura institucionalizada, deixando o Executivo à vontade para fazer o que bem quisesse. Governaria por decretos, gastaria como lhe aprouvesse, sem debate, sem fiscalização. Nenhum segmento social seria representado. A população perderia um canal indispensável para o exercício da própria cidadania e para o encaminhamento de suas reivindicações. Então, gostemos deles ou não, não podemos nem sequer levantar a absurda bandeira da extinção do Legislativo só porque vereadores, deputados e senadores gastam demais.
Mas podemos exigir que, pelo menos no que diz respeito aos nossos vereadores, que eles nos custem menos e que se tornem mais úteis e mais participantes e mais interessados nas grandes demandas de uma cidade – especialmente de uma metrópole do tamanho e da importância de Curitiba e de seus desafios presentes e futuros.
A Câmara não pode sobreviver apenas de bons soluços em suas atividades, como aconteceu, por exemplo, no início da atual Legislatura ao instalar a CPI do Transporte Coletivo, que revirou as entranhas do sistema. Se deu resultados práticos é uma outra discussão – mas a CPI, sem dúvida, foi um dos raros momentos em que a Câmara mostrou que pode cumprir papel relevante.
O que é difícil conceber é que, além de seus salários de R$ 15 mil, os vereadores tenham ainda o direito a outros R$ 50 mil mensais para contratar funcionários; que tenham carros exclusivos à disposição com combustível e manutenção custeados pelo contribuinte; e que ainda disponham de verbas indenizatórias para cobrir despesas comuns.
Portanto, a manifestação popular que curitibanos fazem hoje na Câmara para pedir a redução dos salários dos vereadores é importante – mas, se ficar nisso, não passará de um gesto simbólico, de resultados financeiros diminutos, quase insignificantes.
Mais importante que a diminuição de seus ganhos será se, com essa manifestação, os vereadores tomem consciência da responsabilidade que têm com a sociedade. E que façam direitinho a conta da relação custo/benefício de cada um e do Legislativo Municipal em geral. Cortar o exagero das despesas e não fazer da vereança uma profissão será um bom começo.
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