“Em política, até boi voa”, dizia Ulysses Guimarães do alto de sua sabedoria e experiência. Quando produziu a frase, ele ainda não conhecia Curitiba, onde, além de bois, certamente voam também as capivaras do Barigui. Alianças improváveis e parcerias impossíveis aqui vicejam com espantosa facilidade – como o provam agora os arranjos finais para a disputa pela prefeitura da capital.

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Adversários históricos de repente se aliam; amigos de antigamente hoje são adversários. Coerência com a própria história pessoal ou com a trajetória político-partidária que percorreram, nada disto é importante quando se trata de atender às conveniências de caráter fisiológico que, supostamente, podem lhes dar a vitória em outubro próximo.

O entra-e-sai de partidos e os casamentos e divórcios entre grupos são a regra dominante dentre os principais candidatos. O que significa que nenhum deles terá direito de jogar a primeira pedra.

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Veja-se o caso de Rafael Greca, o jovem formado nas escolas de Jaime Lerner e Leonel Brizola que chegou à prefeitura pela primeira vez, no início dos anos 90, pelo PDT. Depois virou PFL (hoje DEM) e, aborrecido com a falta de apoio do padrinho Lerner para se candidatar novamente à prefeitura, acabou se aliando a Roberto Requião, do PMDB, principal inimigo político do primeiro. Filiou-se ao PMDB, serviu a Requião como presidente da Cohapar em seu primeiro governo e depois, até bem pouco tempo, como ocupante de cargo comissionado no gabinete do já então eleito senador.

Sem poder competir com a opção preferencial de Requião pela unção do filho, o deputado Maurício, como candidato em 2016, Greca deixou o PMDB e se filiou ao PMN para viabilizar a própria candidatura. Partidariamente nanico, precisava agregar outras legendas ao seu projeto prefeitural. Trouxe o PSB do ex-prefeito Luciano Ducci (que ajudou a derrotar em 2014) e encontrou no governador Beto Richa o apoio necessário para ampliar seu arco de alianças. O sucesso na empreitada para atrair o PSDB e o DEM deu-lhe o maior tempo na propaganda eleitoral.

Professores feridos

Com a adesão de Richa, Greca não poderá reprisar na televisão aquele vídeo em que, em defesa dos professores feridos por tropas da Polícia Militar em 1988, esbravejava para que a Assembleia Legislativa abrisse seus portões para abrigar os grevistas ameaçados pela cavalaria. Reapresentar o filme será um disparate frente aos horrores de 29 de abril do ano passado sob o governo de seu novo aliado e diante da mesma sitiada Assembleia. Com um detalhe a mais: Richa, o novo aliado, ocupa o campo oposto ao de Requião, o amigo e patrão de Greca até anteontem.

Se coerência não é exatamente o forte de Rafael, pode-se dizer o mesmo de Gustavo Fruet, embalado desde criança pelo pai Mauricio no berço do PMDB, partido que abandonou quando se viu sabotado por Requião para ser candidato a prefeito em 2004. Filiou-se, então, ao PSDB e, como deputado federal, se notabilizou como sub-relator e um dos principais algozes do PT durante a CPI que desvendou o esquema do mensalão. Deve-se a Fruet, por exemplo, a coleção de provas que incriminou José Dirceu e o levou à cadeia. Nada disso o impediu de se aliar ao mesmo PT para se eleger prefeito em 2012.

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Companhia incômoda principalmente depois da Lava Jato, Fruet não ficou magoado ao ver que os petistas que abrigou em sua administração foram abandonando o barco e construindo, com o deputado Tadeu Veneri, seu próprio projeto. Ao contrário, livrou-se do peso. Em compensação, isolado em seu pequeno PDT, Gustavo precisou sair em busca de novos aliados. Se em 2012 eles estavam à esquerda, em 2016 foram procurados à direita, com namoros às escondidas com o PSDB de Richa e com o DEM ruralista de Lupion (Abelardo e Pedro). O que dá a Gustavo a chance de dizer que foi ele quem abriu a prefeitura para socorrer os professores feridos no Centro Cívico. Ficando apenas com o PV, o PTB e o PPS, a coerência saiu menos arranhada, mas não foi por falta de tentativa.

Enfim, a geleia é geral. Enquanto sobram jeito a uns e trejeitos a outros, bois capivaras e falta de coerência cobrem os céus de Curitiba.