Lição do filósofo espanhol Ortega y Gasset: “o homem é o homem e sua circunstância”. Para muitos, pode-se aplicá-la no sentido fatalista, de que circunstâncias negativas justificam a derrota e o desânimo. Para outros, circunstâncias igualmente negativas devem ser encaradas em sentido contrário – isto é, como desafios a ser enfrentados e vencidos.
Jayme Canet Jr., o governador do Paraná de 1975 a 1979, falecido nesta quarta-feira (31) aos 91 anos, fez parte da segunda categoria de homens que, diante de circunstâncias que poderiam levá-lo à prostração, decidiu que deveria superá-las e transformá-las em oportunidades.
Canet assumiu o governo em março; em julho, apenas quatro meses após a posse, o Paraná parecia destinado à bancarrota e a sofrer, por tempo indeterminado, todas as desgraças. Estado até então extremamente dependente da agropecuária e, sobretudo de sua cafeicultura e das ainda incipientes lavouras de soja e trigo, viu-se vítima da geada negra de 18 de julho.
Seria até compreensível que diante da circunstância trágica se seguisse choradeira interminável. Mas não com Canet, que viu no cataclisma que se abateu sobre seu iniciante governo a oportunidade de mudar a história. Quando todos achavam que era impossível, ele foi lá e fez.
Já nos minutos seguintes à constatação de que nada restara do verde que cobria as terras do Paraná, tratou de viajar para o interior. Não foi com a simples intenção de “emprestar sua solidariedade”. Pelo contrário – como ocorreu em memorável reunião numa sala da cooperativa de Campo Mourão, irritou-se contra as centenas de produtores rurais que lá estavam e que se revezavam em discursos de desespero.
Interrompeu-os: “Parem com isso!”, ordenou. “Vocês não são homens? Vamos trabalhar, vamos sacudir a poeira e dar a volta por cima!”, conclamou elevando a voz para que todos entendessem que, com ele, o derrotismo não pegava.
Canet não se limitou às palavras. Pouco tempo depois, ordenou que se encontrassem variedades de sementes de trigo que se adaptassem às condições de solo e clima do Paraná. Toneladas foram importadas do México para que, já no ano seguinte, as novas sementes devolvessem ao estado o primeiro lugar nacional na produção do cereal, batendo novo recorde.
No lugar do café, os campos se transformaram em lavouras de soja, trigo e milho, das quais, até hoje, o estado colhe produção invejável e divisas de exportação. Pesquisa e assistência técnica também ajudaram a mudar profundamente a pecuária leiteira, com a importação de bezerras do Canadá de alta linhagem, às quais os produtores tinham acesso mediante pagamento com a primeira cria dos animais. Hoje o Paraná é um dos maiores produtores de leite e derivados do país.
Mas de que adianta plantar e colher se não há estradas boas para transportar a produção e fazê-la chegar aos centros consumidores? Daí nasceu o maior programa rodoviário de que o Paraná tem notícia: as circunstâncias, enfrentadas pelo governador Jayme Canet Jr., resultaram em 4 mil quilômetros de rodovias asfaltadas, apelidadas pelos críticos de “cascas de ovo” porque durariam apenas cinco anos, mas pelas quais, 40 anos depois, ainda trafega grande parte da produção.
Só agricultura? Não. Foi na sua gestão que o Paraná iniciou, efetivamente, seu processo de industrialização. Vieram a Volvo, a Siemens, a Bosch, a Philip Morris...
Nenhum governador, após ele, fez 6 mil salas de aula em quatro anos. Assim como duas hidrelétricas. Tudo isso possível graças a um governo enxuto, sem parentes próximos ou distantes, “amigos” suspeitos ou gastanças duvidosas. Conseguia destinar 33% da arrecadação para obras de infraestrutura, tudo sem precisar de pacotaços.
Hoje, é certo, as circunstâncias são outras. Os homens também. Infelizmente abaixo delas e de Jayme Canet Jr.
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