Dotti e a crise do PSDB
O professor René Dotti, jurista paranaense de prestígio nacional, não é filiado a nenhum partido o que não significa que se mantenha distante ou desinteressado pelo que de mais relevante acontece no cenário político tanto nacional quanto local. Trata-se, sobretudo, de um democrata que moldou suas convicções, na condição de advogado, principalmente como defensor de reus perseguidos pelo regime militar. Tais convicções se estendem à sua visão quanto à importância para a democracia das organizações partidárias e de seu papel para garantir a solidez das instituições republicanas.
Por isso, acompanha com preocupação o processo de "desestruturação degenerativa do ideal social democrata" do PSDB única legenda hoje que, acredita, teria condições de fazer o contraponto à tentativa do PT de se tornar hegemônico no país, à custa, muitas vezes, da cooptação fisiológica de outras agremiações.
Dotti concorda com o economista e ex-deputado federal Hélio Duque, que vem defendendo a refundação do PSDB com o sentido de devolver-lhe "o ideário traçado pela carta constitutiva" e de permitir-lhe vencer "a subalternidade, os interesses personalistas e arranjos políticos indecentes" em que o está mergulhado.
Cidadão honorário do Paraná e ex-secretário estadual da Cultura, o professor René Dotti sente-se com legitimidade para opinar a respeito das recentes manifestações que envolveram o senador Alvaro Dias e o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Valdir Rossoni, ambos do PSDB. O debate travado entre eles pela imprensa exemplifica as dissenções internas, mas, acentua o jurista, "desde logo, sinto-me no dever de contestar a afirmação do presidente da Assembleia, segundo a qual faz dez anos que ele [Alvaro] não faz outra coisa a ser atrapalhar o PSDB."
Dotti defende: "Ao contrário da acusação, ninguém mais que o senador Alvaro Dias tem sido a voz lúcida, eloquente, corajosa e permanente na Câmara Alta como líder da oposição e na vigorosa representação partidária". Para ele, as declarações de Rossoni foram motivadas "pelos interesses subjacentes às eleições de 2014" e não explicam as razões pelas quais Alvaro Dias foi alijado da vida partidária no Paraná.
O professor René Dotti conclui com uma citação do cientista político Vamireh Chacon: "Os partidos não são meros grupos de interesse, fazendo petições em causa própria ao governo; pelo contrário, para ganharem suficiente apoio, os partidos precisam antecipar alguma concepção do bem comum." Não é esta preocupação que Dotti percebe existir na crise do PSDB.
Assim, de repente, uma licitação lançada pelo Porto de Paranaguá que seguia em ritmo de mar calmo acaba sendo suspensa pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Seriam destinados R$ 35 milhões à empresa que se apresentasse em melhores condições para instalar um completo sistema informatizado de controle das atividades portuárias incluindo exigências de segurança e vigilância que, a partir dos ataques de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas (NY), passaram a ser impostas a terminais marítimos de todo o mundo. Uma das finalidades do sistema é a de prevenir ações terroristas nos portos.
Acontece que o edital de licitação 007/2012 continha sinais evidentes de que estava direcionado para beneficiar uma só empresa e alijar todas as que ousassem entrar na concorrência. Dentre as que se consideraram prejudicadas pelo suposto direcionamento estavam a Infrabrazil Tecnology (de Curitiba) e a Trielo Informática (paulista), que contrataram o escritório Muniz Advogados para interpor os recursos devidos contra a licitação.
O TCU se convenceu com os motivos alegados pelos reclamantes e determinou ao Porto de Paranaguá a imediata suspensão da licitação. Apesar das evidências de que apenas uma empresa seria a favorecida, duas conseguiram chegar quase ao fim do processo licitatório. Bastava apenas a abertura das respectivas propostas de preço para que o martelo fosse batido em favor de uma delas.
As duas firmas que chegaram (quase) ao fim foram a IB Tecnologia e Sistemas e a Dataprom Equipamentos de Serviços de Informática Industrial. Nas fases anteriores da licitação, a primeira obteve 192 pontos (entre 200 possíveis) e a outra, 166. As propostas de preço, cujos envelopes não puderam ser abertos por decisão judicial, é que definiriam a vencedora.
Mas que poder teria qualquer das duas para influir sobre o resultado e abocanhar sozinha os R$ 35 milhões? Uma investigação, ainda superficial, levanta a ponta do fio que, ao fim da meada, pode chegar a poderosos políticos. Um deles seria um senador do Nordeste, dublê de empresário do ramo de informática e sócio dos donos da suposta principal beneficiária do esquema. O senador seria amigo de influentes deputados estaduais do Paraná, que teriam agido como lobistas do negócio. Na outra ponta da investigação aparece o nome da outra concorrente como frequente ganhadora, nos últimos anos, de licitações em serviços da prefeitura de Curitiba e do governo estadual.
O atual superintendente da Appa, Luiz Dividino, que herdou licitação de seu antecessor, Airton Maron, não descarta a possibilidade de anular o edital e lançar outro corrigindo as distorções apontadas.
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