Se você tiver algum dinheiro sobrando, tiver espírito empreendedor e vontade de ampliar seus lucros, leia com atenção o novo Plano Diretor de Curitiba, aprovado na terça-feira pela Câmara: emendas introduzidas por alguns vereadores escancaram oportunidades para investimentos imobiliários para negócios de diversas naturezas.
Mania 1
O governador Beto Richa pegou mesmo a mania de desfazer o que pretendia fazer e de jogar a culpa nos subalternos. Na semana passada, ele desautorizou os estudos da Secretaria da Educação que sugeria o fechamento de escolas; em seguida, jogou nas costas de uma funcionária a responsabilidade pelo anúncio (equivocado?) de corte em programas sociais. Ontem, foi o dia de desdizer o chefe da Casa Civil, Eduardo Sciarra.
Mania 2
Dias atrás, enquanto Richa fazia tour asiático-europeu, Sciarra oficiou a prefeitura de Curitiba para que esta pagasse um terço da diferença de custo da construção da Arena da Baixada. O orçamento inicial, antes da Copa, era de R$ 184 milhões, mas a obra acabou custando R$ 346 milhões. Os R$ 162 milhões suplementares, segundo propôs Sciarra, seriam divididos igualmente entre o governo do estado, a prefeitura e o Atlético.
Mania 3
Ontem, o governador desautorizou seu secretário. Foi enfático: “Não tem isso. Não tem que ampliar nada [o dinheiro]. Já está construído. Não tem nada disso”. O prefeito Gustavo Fruet também já havia se negado a emitir mais títulos de potencial construtivo para cobrir a diferença e, ao contrário, até reclamou de R$ 16 milhões que o estado não teria repassado ao município por conta do acordo tripartite. Richa também nega a dívida.
Cara herança
Prepare seus herdeiros: se você deixar para eles a “fortuna” de R$ 25 mil (um carro popular velho, por exemplo), eles terão de pagar R$ 1.000,00 de imposto para a Fazenda estadual. É que, na sessão de ontem, a Assembleia manteve o veto do governador ao artigo da lei que isentava do ITCMD heranças de até R$ 25 mil. Seus herdeiros pagarão 4% da fortuna.
Dois sindicatos – o dos Engenheiros e o dos Arquitetos e Urbanistas – alertam para o perigo de desvirtuamento dos objetivos do Plano. Isto é, ao invés de ser um rigoroso guia para evitar o crescimento desordenado da cidade, as emendas introduzidas no projeto podem comprometer o futuro. Ofícios contendo as observações foram enviados pelas duas entidades a todos os vereadores e ao prefeito.
O prefeito terá tempo para estudar a versão que a Câmara aprovou e poder para vetar as intromissões indevidas – mas certamente comprará briga com vereadores que, ao propor determinadas emendas, provavelmente estavam mais preocupados em atender interesses localizados nos bairros onde colhem votos. Ou influenciados por setores econômicos que enxergaram oportunidades de negócios, aqui ou acolá, para, por exemplo, construir andares a mais nos edifícios que projetaram.
Engenheiros, arquitetos e urbanistas, depois de meses de participação na elaboração do Plano Diretor, perceberam – e escreveram no ofício – que algumas “emendas pontuais, sem a devida e necessária articulação, e que têm caráter de alterar o ordenamento do uso e ocupação do solo de Curitiba, constituem, no mínimo, uma ameaça à organização da política de ordenamento territorial da cidade, que tem no zoneamento de uso e ocupação do solo o seu principal instrumento.”
Segundo os signatários, boa parte das emendas tem caráter suspeito. Alguns exemplos:
• Concessão de anistia ampla aos que desobedeceram (ou desobedecerão) a lei do zoneamento, prevendo, no máximo, compensações pecuniárias.
• Criação de inúmeros incentivos e desobrigações em relação ao direito de construir.
• Há emendas bem localizadas, como algumas que abrem oportunidades não previstas no projeto original em bairros específicos e muito valorizados, como Boqueirão, Santa Cândida e Santa Felicidade.
• Flexibilização de regras que pretendiam limitar coeficientes de ocupação, altura máxima e número de pavimentos, recuos obrigatórios e porte comercial.
• Nesses casos, as emendas aparecem em linguagem genérica e libera todos os parâmetros urbanísticos em qualquer lugar da cidade, mediante simples contrapartidas financeiras.
• Se o investidor quiser construir um estacionamento de veículos próximo a terminais de ônibus, terá o direito de acrescentar mais dois andares acima do parâmetro da região em que se localizar sem precisar computá-los.
E por aí vai... O Plano Diretor poderá deixar de servir para ordenar e arrisca acabar desordenando uma cidade que já foi exemplo em políticas de ocupação. No fundo, a cidade pode perder a direção.
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