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Olho vivo

Voo cego 1

Uma falha na comunicação interna. Foi desta forma que o líder do governo, deputado Ademar Traiano, justificou a desobediência por parte das casas Civil e Militar ao dever de responder um pedido de informações aprovado há dois meses pela Assembleia. O requerimento exigia do governo explicações sobre o contrato no valor de quase meio milhão de reais para a locação de aeronaves para uso do governador do estado, sem licitação, dado a um alegado caráter de urgência.

Voo cego 2

A resposta não chegou no tempo que a lei determina, isto é, em 30 dias. Por isso, o autor do requerimento, deputado Tadeu Veneri, impetrou mandado de segurança ontem à tarde para que a Justiça dê prazo de três dias ao governo para responda às suas indagações. As respostas se tornaram agora mais urgentes, porque o contrato de aluguel do jatinho e de um helicóptero, previsto para durar três meses, expirou no último dia 10.

Voo cego 3

Se o contrato já expirou e o governo não comprou aeronaves novas para substituir as alugadas nem concluiu licitação para um novo contrato, significa que o governador voltou a voar no velho jatinho que considerava inseguro para suas viagens? Ou o contrato atual foi aditivado para que a Helisul, suposta arrendatária do jatinho que alugou ao governo, o mantenha a serviço do governo? Traiano prometia resposta para ontem mesmo.

Diante de um crime misterioso e de autoria ainda desconhecida, a invariável pergunta que Sherlock Holmes dirigiria ao auxiliar Watson – mas que ele próprio trataria encontrar resposta – seria: "A quem interessa?" Geralmente, de tão dedutível, a resposta seria elementar.

A quem interessava disparar armas de grosso calibre contra o carro do presidente da Assembleia Legislativa, deputado Valdir Rossoni, na noite escura e fria da última sexta-feira numa estrada pouco movimentada perto de Bituruna? Uma pergunta que, certamente, representaria um grande desafio para o famoso detetive criado por Conan Doyle.

Se for rememorada a trajetória de Rossoni nos últimos quatro meses – ou melhor, desde o dia 2 de fevereiro, quando assumiu a presidência do Legislativo – Sherlock, de fato, teria dificuldades de identificar o culpado diante da multidão de suspeitos, os desafetos que o parlamentar colecionou ao longo desses últimos tempos.

Lembre-se, por exemplo, do dia da posse de Rossoni na presidência: uma tropa da Polícia Militar foi chamada para tirar de dentro da Assembleia a guarda pretoriana que, antes, prestava serviços de "segurança" à Casa, utilizando-se de métodos, digamos, não convencionais. A guarda atuava sob o comando de um tal de Tôca, que, entre outras qualidades que o recomendavam para o cargo, estava o fato de responder judicialmente por crime de homicídio.

Desde esse dia já corriam boatos a respeito das ameaças anônimas a Rossoni e à sua família, o que justificava a criação de um gabinete militar na Assembleia e a colocação à disposição do novo presidente de uma forte segurança – permanentemente ao seu lado – formada por policiais dos quadros da PM.

Mas só Tôca e seus companheiros é que teriam sido desagradados pela operação de "limpeza" que Rossoni desencadeou na Assembleia? Não. Desagradados também ficaram centenas de funcionários demitidos; outros tantos que perderam salários e gratificações polpudas; dezenas que foram apeados de postos que lhes permitiam administrar contas bancárias "fantasmas" e desviar milhões dos cofres públicos... Enfim, muita gente insatisfeita – o que, certamente, deve incluir também deputados influentes, por que não?

A fila de suspeitos interessados no atentado – frustrado em razão de um simples atraso na agenda de Rossoni – é grande demais para, num lance sherloquiano, dirigir logo as luzes da investigação para o endereço certo.

A dificuldade deveria ser motivo para esforço ainda maior das autoridades da área da Segurança Pública, mesmo porque não se trata de uma ocorrência comum. Não foi mais um dos tiroteios diários da periferia de Curitiba nem foi motivado por uma guerra das muitas gangues que disputam território. Foi, tudo leva a crer, uma ação planejada contra o chefe de um poder constituído.

Por isso mesmo, não deixa de ser intrigante que, além do humilde delegado do interior que conduz as investigações, não tenha havido sequer uma simples manifestação pública de solidariedade ou de interesse nas apurações que tenha partido do Palácio das Araucárias ou dos setores superior e diretamente encarregados de fazê-las.

Sherlock Holmes, diante disso, repete a pergunta: "A quem interessa esse silêncio?"

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