Em julho de 2008, uma cena estarreceu o Brasil: a prisão do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, durante a Operação Satiagraha. A imagem de um político detido na própria casa, de madrugada, vestindo pijama e algemado provocou reações confusas. Havia um simbolismo justiceiro, misturado com uma nítida dose de abuso de poder.
Até porque Pitta não era o único poderoso capturado pela Polícia Federal (PF), havia também o banqueiro Daniel Dantas. Algo tão marcante que, três anos depois, ainda inspira a trama da novela das oito. Em meio às falhas processuais da vida real, porém, ficou o fato de que o Superior Tribunal de Justiça anulou as provas e condenações contra Dantas há dois meses.
Talvez a Satiagraha tenha sido para as investigações policiais o que a CPI dos Correios, em 2005, foi para os inquéritos parlamentares. Depois delas, tudo mudou. As hipóteses de apuração de irregularidades graúdas passaram a sofrer marcação cerrada, seja para coibir a espetacularização ou apenas para colocar panos quentes.
Eis que na última terça-feira veio à tona a Operação Voucher, que prendeu 36 pessoas acusadas de envolvimento em supostas irregularidades no Ministério do Turismo. Reapareceram as cenas de gente do colarinho branco algemada. Com elas, os protestos contra abusos da PF.
A presidente Dilma Rousseff tem curiosamente engrossado esse coro. Para ela, a forma como os policiais conduziram a ação foi um "acinte". Os protestos teriam rendido inclusive um puxão de orelha no ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Pela soma dos últimos acontecimentos, não é mesmo o melhor momento para Dilma lidar com a notícia de pessoas algemadas em plena Esplanada dos Ministérios. Em pouco mais de sete meses de governo, já são cinco pastas com focos de corrupção (Agricultura, Cidades, Minas e Energia, Transportes e Turismo). Sem contar os episódios que renderam as saídas dos ministros Antonio Palocci (Casa Civil) e Nelson Jobim (Defesa) e as preocupações com a crise financeira internacional.
Apesar das turbulências, a presidente tem conseguido passar satisfatoriamente a imagem de alguém que não compactua com corrupção. Até onde ela vai conseguir avançar, é outra história. Será uma luta tão dura quanto acabar com a pobreza extrema até 2014, sua principal bandeira.
Aliás, a guerra contra os corruptos e a questão das algemas passa pela desigualdade social. Vale repetir aqui um raciocínio do jurista paranaense Jacinto Nélson de Miranda Coutinho. Segundo ele, o modelo penal adotado pelo Brasil há 70 anos serviu como base para defender as instituições e não os direitos individuais do cidadão.
As regras, inspiradas no fascismo italiano, sempre deram proteção às parcelas mais favorecidas da sociedade. A ideia era manter os pobres sob jugo policial, ou seja, deixar à margem a discussão sobre os crimes de colarinho branco. Daí o senso comum de que só ladrão de galinha vai para a cadeia.
Claro que a sociedade brasileira evoluiu muito e por sinal acaba de reformar seu Código de Processo Penal. Mas é inegável o turbilhão de emoções que a imagem de um engravatado algemado ainda provoca. Há regras claras para coibir abusos e elas precisam ser seguidas.
O que não pode sair de foco é a urgência de um basta à impunidade. Em especial, para aqueles que se privilegiam dela há tanto tempo.
Nos corredores
Sem palavras
O presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), Cléver Almeida, foi anteontem a Brasília só para acompanhar a reunião da bancada federal paranaense que discutiu a legalidade da transferência de recursos da União para a capital a partir de uma emenda coletiva de R$ 35 milhões estipulada no orçamento de 2011 para a Linha Verde. Ouviu uma série de críticas à defesa da prefeitura no caso, mas não foi convidado a se manifestar. Perdeu a viagem.
Comigo não
A polêmica em torno da emenda se arrasta desde maio, quando o coordenador da bancada, Fernando Giacobo (PR), decidiu cancelar o recurso sem consultar formalmente os colegas e remanejá-lo para outros oito municípios. Durante a reunião, colegas brincaram que seria fácil para Giacobo retomar o assunto perante o Ministério dos Transportes. "Na verdade, eu tinha conhecidos por lá", rebateu o deputado. Desde julho, 27 funcionários da cúpula da pasta foram demitidos, grande parte ligada ao PR.
Jogou a toalha
Só uma enorme reviravolta vai salvar a candidatura do deputado federal paranaense Osmar Serraglio (PMDB) à vaga de ministro de Tribunal de Contas da União. Nesta semana, o partido deu uma guinada a favor de Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que voltou ao páreo de última hora. A cadeira deixada pelo ministro Ubiratan Aguiar será preenchida por meio de eleição na Câmara, prevista para setembro.
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