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A criação de comunidades de cidadãos para a ação política é um desafio. A Gazeta do Povo de ontem trouxe reportagem que mostra um grupo de organizações que, inspiradas no Ficha Limpa, pretendem fazer um projeto de Reforma Política via iniciativa popular. A ideia é louvável. Mas e se o projeto tiver mudanças que possam não ser as melhores, como a votação em lista fechada para as eleições proporcionais? Talvez seja apropriado a sociedade discutir a reforma, antes de colher assinaturas.
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Há muito que se aprender com as comunidades de desenvolvedores de softwares. Elas conseguem ser sustentáveis ao longo do tempo, proporcionam aprendizado contínuo, seus membros são colaboradores ativos, possuem senso de pertencimento à comunidade e cultura comum em constante evolução. Será uma utopia distante reproduzir essas características no desenvolvimento da cidadania? Observar os caminhos trilhados pelas comunidades de desenvolvedores, entender o porquê são bem sucedidas e tentar reproduzir essas características em redes de atuação política podem ser a chave para uma mobilização de resultados.
Para saber a resposta procurei quem conhece do riscado, um amigo (Henrique Bastos) de um amigo meu (Pedro Valente), cujo trabalho é criar ambientes que proporcionem cultura de aprendizado de alto desempenho em empresas de software. Henrique Bastos, 29 anos, é um dos organizadores de diversos eventos que reúnem programadores todas as semanas no Rio de Janeiro. A comunidade da qual Bastos participa no Rio de Janeiro surgiu da insatisfação com o mercado de trabalho de software, em 2008.
"Verificamos o seguinte problema: estávamos insatisfeitos. O pessoal, conversando, reclamava do trabalho e da carreira. O que nos fez começar a realizar eventos presenciais foi isso. Não basta simplesmente contestar a realidade. É preciso criar, descobrir como fazer as coisas diferentes." Foi a partir disso que ele e um grupo de desenvolvedores começaram a realizar encontros que levaram a discussões em blogs, no twitter, via e-mail e em listas de discussão.
A partir da experiência destes três anos, Bastos e seus colegas criaram o que chamaram de "Small Acts Manifesto Pequenas ações geram grandes revoluções" (http://smallactsmanifesto.org/) . Eles se baseiam em dez princípios:
1) Confiança que deve ser respeitada, nunca ameaçada;
2) Diálogo é a única maneira de se construir um relacionamento de confiança;
3) Contato pessoal a experiência mais rica que existe;
4) Transparência é um meio para manter a sustentabilidade da comunidade;
5) Diversidade se você precisa de um rótulo, defina-se como humano;
6)Auto-organização líderes emergem, mas não devem existir donos;
7) Dê exemplo é como você deve ensinar, viver e aprender;
8) Consistência Tudo tem seu tempo, intensidade nem sempre é a resposta;
9) Doe-se você se impressionará como isso retorna rápido;
10) Faça O mais simples possível, apenas para passar adiante.
Esses, segundo Bastos, são os princípios das comunidades bem sucedidas. Pergunto a ele como isso pode ser aplicado para o âmbito da cultura política, cujos propósitos são diferentes. Ele diz: "Da mesma forma que o que nos reuniu foi a insatisfação com o mercado, só reclamar não dá em nada. Se há problemas institucionais em Brasília, é preciso pensar 'como faço para roubar o lugar dele em Brasília'. É preciso fazer as coisas diferentes. Somos muitos, estamos insatisfeitos, só precisamos nos unir para fazer acontecer".
Então não tem jeito. As ferramentas para a atuação do cidadão existem, a insatisfação com a política existe e os princípios que guiam comunidades também. Mas, para implementar comunidades com foco na cidadania, que permitam o aprendizado, o compartilhamento de experiências, e a atuação concreta na vida pública é necessário trabalho árduo. Além disso, como diz Bastos, é preciso que exista iniciativa pessoal e criatividade. "Hoje os espaços tradicionais impedem a expressão criativa. Não dá para esperar que o governo, a presidente, nem as empresas mudem isso. Cabe a você criar alternativas, a realidade que você quer viver".