A interação das pessoas em lugares públicos, mesmo quando esses contatos são meramente casuais, produz resultados pouco casuais. É preciso apenas haja pequenos grupos de indivíduos que se ocupem de forma diligente dos assuntos públicos para que os resultados dessas interações se tornem nada triviais. Essa ideia, que é quase uma receita para a realização de mudanças sociais, está no livro Morte e Vida de Grandes Cidades, da urbanista Jane Jacobs, escrito no início da década de 60.
Na obra, a urbanista analisa a função das calçadas e da ocupação do espaço público para a produção de locais seguros para se viver. Jane Jacobs demonstra que os contatos casuais podem imprimir um sentimento de identidade pública das pessoas que vivem numa determinada comunidade. Indo um pouco além, quando os cidadãos passam a ocupar o espaço público, eles podem transformar a cidade não somente tornando-a mais segura. Podem mudar comportamentos e estimular o desenvolvimento cultural. Veja a seguir dois exemplos de ações de alguns poucos indivíduos que tiveram resultados bastante relevantes. Eles são um tapa na cara dos acomodados políticos. Só não vê aqui uma bela receita para produzir mudança política quem não quiser.
Garibaldis & Sacis integrando a cidade
O pré-carnaval de Curitiba está chegando. E, com ele, milhares de pessoas irão brincar o carnaval fora de época pelo Largo da Ordem a partir do dia 20 de janeiro. O bloco Garibaldis & Sacis começou a fazer a festa em 1999. Reuniam pouco mais de uma centena de pessoas. Mas nos últimos cinco anos o evento viralizou. "Isso começou a acontecer com a difusão das redes sociais. Hoje o Garibaldis & Sacis atinge um público que a gente nem sabe de onde vem", afirma o músico Marcel Cruz, um dos organizadores do evento.
No ano passado, em um só dia 15 mil pessoas festejaram o pré-canarval de Curitiba no Largo da Ordem. A festa é essencialmente de iniciativa de uns poucos cidadãos cerca de 20 pessoas. O poder público só passou a se envolver nos últimos anos. Segundo Marcel Cruz, o bloco tem o ideal de revitalizar o Largo, estimular as pessoas a desfrutar o espaço e preservar a cidade. Dada a dimensão que tomou, a festa poderia inclusive se dispersar por várias áreas do centro, com vários blocos. "Seria bom fazer escola. O carnaval é a festa mais democrática que temos. Está na rua, você é igual a todo o mundo."
O que num primeiro momento pode parecer apenas uma manifestação popular tem um significado político. Uns poucos diletantes vão a público e realizam um evento que promove a integração da sociedade e estimula o convívio entre pessoas de diferentes grupos sociais. Isso gera sentimento de pertencimento, expõe contradições e permite ampliar a compreensão de que os moradores da capital têm de si mesmos.
Museu para estimular crianças
Inconformado com o baixo aproveitamento das crianças americanas em avaliações internacionais, o americano Glen Whitney largou o trabalho de analista de algoritmos em um fundo de investimentos e alavancou U$ 22 milhões para criar o Museu da Matemática MoMath em Nova York. Whitney obteve o apoio de 20 fundações e empresas, entre elas, o Google, para criar um sofisticado "parque" que ensina matemática.
As informações são da reportagem de Raul Juste Lores publicada ontem na Folha de S. Paulo. Quebra-cabeças, triciclos, pistas de carrinho, plataformas de luzes sensíveis que acendem quando se passa por elas, enfim, uma variedade de instrumentos são usados para estimular o aprendizado da disciplina que tem fama universal de ser chata e difícil. Ao lado de cada instalação, relata a reportagem, há uma tela sensível ao toque que explica o funcionamento matemático dos brinquedos.
O exemplo de Whitney é daqueles candidatos a virar filme. Sem que um governo ordene, um cidadão deixa seu emprego para realizar algo que irá modificar o comportamento das pessoas para sempre. As crianças que forem ao museu dificilmente irão encarar a matemática com os mesmos olhos chateados de antes. As massivas visitas casuais ao MoMath tendem a produzir o efeito nada casual de interesse e apreço pela matemática. Quem sabe até melhore o nível dos alunos.
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