Nunca antes na história desse país foi tão fácil debater ideias e organizar mobilizações políticas. A Constituição assegura os direitos de livre manifestação do pensamento e o direito de reunião. As redes sociais na internet permitem aos cidadãos compartilhar informações e mobilizar esforços. Mas, mesmo em um ambiente com ampla liberdade de expressão, mesmo com a facilidade que se tem hoje para que o cidadão se envolva com os assuntos públicos, ainda assim, o nível de engajamento popular é muito baixo. Conforme foi divulgado no domingo passado em levantamento realizado pelo Instituto Paraná Pesquisas, 51% dos curitibanos não se interessam por política.
Esse desinteresse lembra a fábula do avestruz. Há dois anos, a coluna lembrou do mito de que essa ave enfia a cabeça na terra ao mínimo sinal de perigo. Na lógica do avestruz, se você não consegue ver a ameaça, ela não existe. Da mesma forma, ao ignorar a política, o cidadão pode imaginar que a sua apatia o afasta dos problemas da vida pública. Esse engano tem um custo elevado. Sem a fiscalização dos eleitores, a política tende a ser dominada por trocas de favores e casos de apropriação ilícita de bens públicos.
Os resultados da pesquisa incomodam. Mostram que há mais "avestruzes" em Curitiba do que se ousaria imaginar. Entretanto, em vez de lamentar os baixos índices de mobilização e organização popular em Curitiba, o melhor que se tem a fazer é enfrentar o problema. O primeiro passo é identificar pessoas, instituições e órgãos públicos que possam contribuir para romper o modelo de comportamento atual e estimular os cidadãos a adquirir hábitos cívicos. Escolas públicas e privadas, organizações não-governamentais e órgãos de fiscalização e controle são peças chave para interferir em mudanças de comportamentos.
O segundo passo é implementar ações orientadas à mudança. Escolas, por exemplo, podem criar de aulas complementares sobre cidadania ou mesmos torneios de debate político, como é frequente nas instituições de ensino norte-americanas. Prefeitura e Câmara municipal podem, em conjunto, estabelecer um novo modelo de discussão da Lei Orçamentária. Podem instituir o orçamento participativo, pelo qual a população determina para onde vai uma parcela de investimentos da prefeitura.
O terceiro passo diz respeito à atitude individual e pode ser realizado de forma independente dos outros dois. O cidadão pode usar as redes sociais para fazer coisas que vão muito além do "ativismo de sofá". Pode protestar contra abusos enviando mensagens eletrônicas, cartas, mensagens via fax para políticos. Pode fiscalizar os mandatos de parlamentares analisando as informações que estão disponíveis nos sites da Câmara Federal, do Senado, da Assembleia Legislativa, da Câmara Municipal, etc. Pode, inclusive, se engajar na campanha iniciada pela Gazeta do Povo no domingo passado A política Cidadã.
Há muitas soluções possíveis para lutar contra a pobreza cívica que aflige a sociedade. Como para romper com essa realidade será necessário um esforço considerável, pode-se iniciar a mudança em si mesmo. Toda noite, quando você se olhar no espelho, reflita se não está vendo o reflexo de um avestruz.
Tendências
"Curtir" não salva vidas 1
A Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) lançou uma campanha em que faz pensar qual é o alcance real do "ativismo de sofá". Em um vídeo facilmente encontrado no Youtube (http://bit.ly/ZgRz4n), produzido pela filial da Unicef na Suécia, conta-se a história de um garoto de dez anos que vive em um casebre com o irmão. Ele afirma que a mãe ficou doente e que tem medo de adoecer também, o que tornaria inviável cuidar do irmão menor. Mas ele diz não estar preocupado, já que o site da Unicef na Suécia tem 170 mil "curtir", número que, em breve, pode ultrapassar os 200 mil. Com um número de curtidores dessa magnitude, diz o menino, ele certamente ficará em condição melhor.
"Curtir" não salva vidas 2
Depois da explicação do garoto, que mostra o absurdo da situação dos "apoiadores de Facebook", aparecem na tela as frases "Curtir não salva vidas. Dinheiro salva". E, logo em seguida, o vídeo termina com a mensagem que 49 coroas suecas (R$ 15) é o suficiente para poder vacinar uma dúzia de crianças contra a paralisia infantil.
"Curtir" não salva vidas 3
Nesses tempos em que o "ativismo de sofá" ganha força, a campanha da Unicef traz à discussão a efetividade desse tipo de atitude. Os problemas do mundo definitivamente não serão resolvidos apenas com um "clique" de mouse.
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