Entre as festas de fim de ano e o carnaval, duas manifestações populares chamaram a atenção da população curitibana – o Garibaldis e Sacis e o coletivo "Ocupa Curitiba". O primeiro trata-se do bloco de pré-carnaval de Curitiba, que embala o Largo da Ordem há quase uma década e reúne milhares de pessoas. O segundo nasceu em meados de janeiro, com alguns poucos jovens que começaram a "ocupação" da Praça Santos Andrade, mas está moribundo. De uma lista de discussões no Facebook composta com mais de 800 membros, apenas dois integrantes eram "residentes" no "Ocupa Curitiba", até a semana passada. O mundo virtual estava dominado, mas o impacto na realidade demonstrou que o mero uso das redes não faz revolução.

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É de se perguntar o que deu errado no "Ocupa", movimento inspirado no Occupy Wall Street, indignados da Espanha e Primavera Árabe. Ao menos em Curitiba esse movimento se iniciou com um forte ideário de ser uma construção coletiva. Desejava-se organizar uma pauta de reivindicações e realizar manifestações para defendê-las. Acabou adquirindo feições de movimento anticorrupção, mas também defendia interesses sociais, como direitos das mulheres, meio ambiente e vegetarianismo. Mas não prosperou. Então, o que deu errado? Ou melhor, o que o pré-carnaval dos Garibaldis e Sacis tem que o "Ocupa" não tem?

O argumento de que o pré-carnaval é mais divertido que ocupar a Santos Andrade renderia uma polêmica desnecessária. Os festejos atravessam séculos de sucesso garantido. Variações do tema continuam sendo atraentes. Além disso, apesar de alguns desvios de percursos, como o uso de balas de borracha e bombas de efeito moral, é fácil todos nós sermos solidários na alegria carnavalesca. O carnaval, assim como o pré-carnaval, passa uma mensagem clara, que todos entendem, assimilam e podem facilmente compartilhar – hoje é dia de alegria, venha brincar, venha celebrar. Encanta as pessoas, que, sensibilizadas, se sentem à vontade para estar juntas. Inevitavelmente as calçadas são ocupadas por cidadãos de todas as classes sociais. São as pessoas, não as autoridades, que fazem a festa acontecer. A convivência, longe dos binários e das vias expressas, é enriquecedora e permite o convívio com os nossos semelhantes em toda a sua diversidade.

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Desse sucesso, pode se tirar algumas lições. A primeira: qualquer dos novos movimentos sociais que queira contar com a adesão popular precisa de encanto. A mensagem tem de ser clara e simples. Não precisa ser exatamente divertida ou festiva, mas precisa ser interessante. As pessoas que passaram pela Santos Andrade podem até ter simpatizado com o movimento, mas não viram razão para ocupar a praça.

A segunda, mais especificamente tirada do caso dos Garibaldis e Sacis, é que eles cumprem o objetivo de fazer o pré-carnaval com pouca ajuda das instituições estatais. Mais que isso, um grupo de pessoas se reúne e juntos faz algo para o qual todos os cidadãos estão convidados a participar e a tirar proveito. Assim, geram o que é chamado por Clay Shirky, o mais influente pensador das redes sociais da atualidade, de "valor cívico". Segundo ele, o valor cívico acontece quando grupos abertos à participação se dedicam a fazer algo que traga benefícios não só para seus integrantes, mas para todos os cidadãos. "Antes da geração histórica atual, motivar atores a fazer algo sem receber nada, só pelo bem cívico, era tarefa de governantes e entidades sem fins lucrativos, atores institucionais. Hoje nós mesmos podemos assumir alguns desses problemas", afirma Shirky.

Essa lição é valiosa. Em vez de se reivindicar que as autoridades se mexam para realizar medidas que melhorem as instituições, os próprios ativistas podem fazer isso acontecer. Só que isso não acontece simplesmente por meio de marchas contra a corrupção ou, mesmo, mobilizações nos moldes do "Ocupa". Vai da criatividade dos ativistas escolher seu nicho de atuação. Podem atuar na transparência pública, em questões relativas ao meio ambiente como despoluição de rios, praias ou morros, e até mesmo (por que não?) realizar atos de caridade. Mas é preciso criar valor cívico. As atitudes dos ativistas devem servir para tornar a sociedade melhor. Vendo os benefícios desses atos é que a sociedade irá respeitar e aderir às novas ideias.

A legitimação dos novos movimentos irá decorrer do valor cívico que criarem. Do contrário, serão vistos apenas como pitorescos.

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