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Transparência pública
O ingresso na carreira pública é opção de cada um, mas, ao se trilhar esse caminho, o indivíduo acaba por ter algumas restrições. Essa é a visão do leitor Ricardo Thuronyi, sobre a não divulgação das gratificações dos servidores da Assembleia."Nossos representantes precisam entender de uma vez que eles lidam com a coisa pública e dela recebem parte de seus proventos. Portanto, precisam prestar contas para a sociedade, seu patrão. Se não querem ver seus proventos e patrimônio divulgados publicamente, não ingressem na carreira pública ou política. Agora, precisamos saber quanto cada empregado nosso recebe", escreveu ele, na página da coluna no Facebook.
"Uma árvore de grande abraço gera-se de uma fina muda; uma torre de nove andares levanta-se de um acúmulo de terra; uma viagem de mil léguas inicia-se debaixo dos pés". A frase faz parte do capítulo 64 do Tao Te King (O Livro do Caminho e da Virtude), escrito por volta de 600 antes de Cristo e atribuído ao mítico Lao Tse. Ela lembra que é necessário partir de algo singelo, trabalhar sem descanso, e estar determinado a percorrer enormes distâncias para atingir grandes objetivos. Uma perspectiva dessa natureza é a chave para a derrota do patrimonialismo no Brasil.
Na semana passada, a coluna declarou que a falta de divulgação das gratificações dos servidores do Legislativo Estadual era um caso típico de decisão política com contornos patrimonialistas. Em resposta, o presidente da Assembleia Legislativa, Valdir Rossoni (PSDB), afirmou que só não publicou os dados até o momento porque teme que funcionários da Casa consigam reverter a medida recorrendo ao Poder Judiciário, para garantir o sigilo e receber indenizações.
Há histórico para o temor. Em decisão publicada em dezembro de 2011, o Tribunal Superior do Trabalho condenou a Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil para um funcionário que teve sua remuneração divulgada na internet pela autarquia. A fim de evitar que o mesmo ocorra na Assembleia, Rossoni disse que sua assessoria estuda uma forma de publicar o valor das gratificações de cada funcionário, sem que isso possa vir a resultar em disputa judicial e prejuízo financeiro para a Casa.
É bem verdade que alguns setores do Judiciário têm se mostrado relutantes em avançar na construção de um país menos patrimonialista. Entretanto, ao contrário do que entende o TST, o STJ declara no Recurso Especial n.º 718.210 que "é direito da coletividade conhecer os salários dos servidores públicos, pois, ao final de cada mês, suporta, como contribuinte, a conta da folha de pagamento do Estado. Assim, nada mais justo que assegurar a cada cidadão a possibilidade de saber o modo como são remunerados todos os que lhe prestam serviços".
O STJ considera que, em um Estado Democrático de Direito, o poder de controle final é dos cidadãos. Logo, proibir ou dificultar a divulgação de informações sobre o funcionamento das atividades estatais, "bem como sobre o status, privilégios e benefícios dos servidores públicos equivale, pela via transversa, a desautorizar o controle popular, assegurado constitucionalmente". Se aos servidores são concedidas garantias incomuns à iniciativa privada, justificadas a partir da necessidade de se proteger o "interesse público", em contrapartida, deve ser garantido o acesso à informação sobre os "interesses" que o próprio cidadão custeia.
Não há um posicionamento uniforme dos tribunais. O patrimonialismo é muitas vezes justificado com base em direitos fundamentais no caso das gratificações dos servidores, com fundamento no direito à intimidade. Porém, a questão está longe está de ser estritamente jurídica. Trata-se, de fato, de um choque entre as perspectivas patrimonialista pela qual o interesse do indivíduo se sobrepõe ao interesse coletivo , e republicana pela qual o interesse coletivo se sobrepõe. Essa tensão entre patrimonialistas e republicanos vai continuar a existir por um longo período, até que o Poder Judiciário firme um entendimento definitivo.
Entretanto, para que a Justiça seja feita em favor da República, se a sociedade quiser vencer a guerra contra o patrimonialismo, será preciso valorizar a cultura do espaço público, seja nas escolas, seja via opinião pública. E se o cidadão acha que sozinho nada pode fazer, a mensagem do Tao Te King é reveladora. Para que uma árvore frondosa se desenvolva, é necessário apenas uma pequena muda.
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