Vincent van Gogh era um pintor convencional até se mudar para Paris, conhecer os impressionistas e participar da vida noturna de Montmartre, um círculo boêmio que reunia artistas como Degas, Monet, Renoir e Toulouse Lautrec. Só depois dessa interação com a vanguarda artística da época é que surgiu a obra de cores vívidas e traçado característico que faz hoje a fama do pintor.
A história de Van Gogh não existiria sem Montmartre. Ele continuaria sendo o talentoso pintor de “Os camponeses comendo batatas”, mas só por um golpe de sorte iria se tornar mestre e romper com os padrões das artes plásticas oitocentista. O compartilhamento de concepções estéticas no bairro boêmio transformou-o em um inovador. Van Gogh, Montmartre e os impressionistas são um acontecimento histórico único que jamais poderá ser desconectado do território.
Se Van Gogh é a expressão da importância do lugar para o surgimento de padrões inovadores, o modelo de trabalho da Renascença evidencia o papel da colaboração. Em artigo de 27 de abril publicado no site da Harvard Business Review, o pesquisador Piero Formica discute os “Espaços inovadores de trabalho colaborativo na Itália do século XV” e demonstra que a Renascença produziu centros de criação de valor que tinha no conhecimento um papel central. Assim como hoje vive-se a ascensão dos coworkings, explica Formica, as oficinas eram o ambiente do conhecimento em que conviviam artesãos, pintores, escultores, arquitetos, engenheiros, cientistas e matemáticos, além de ricos comerciantes que, muitas vezes, exerciam a função de patronos.
É dessa miscelânea de habilidades e conhecimentos que as comunidades renascentistas da Itália fizeram emergir novos valores estéticos e de expressão artística, mas não só isso. O empreendedorismo emergente conduziu a inovadoras formas de trabalho, de fornecimento de produtos e serviços, gerando novas visões de mundo. Como a oficina era o nó que reunia tantas competências, dos ateliês de artistas acabam por surgir conhecimentos em diversas áreas. Formica dá como exemplo o caso de Andrea del Verrocchio, escultor, pintor e ourives, cujos alunos não ficaram restritos às atividades desempenhadas pelo mestre. Da oficina de Verrocchio, explica ele, o mundo viu surgir uma nova geração de artistas empresariais - Leonardo da Vinci, Sandro Botticelli, Pietro Perugino e Domenico Ghirlandaio.
Formica afirma que dessas oficinas-laboratórios pode se extrair algumas premissas importantes para os espaços de trabalho colaborativo da atualidade. Primeiro, diz ele, ideias devem ser transformadas em ação. Não basta haver terreno fértil em novas ideias se não houver braços comprometidos em transformá-las em produtos e empreendimentos. O grande desafio é descobrir como explorá-las para serem lucrativas.
Em segundo lugar, é necessário estimular o diálogo, já que mercados são (ou podem ser compreendidos como) redes de conversações. Segundo o pesquisador, o ambiente questionador das oficinas produzia uma comunidade vibrante que fazia florescer conhecimentos de forma construtiva. Competia-se em ideias e recursos, mas, também, colaborava-se para gerar oportunidades de negócio.
A arte de Van Gogh e as oficinas quinhentistas da Renascença italiana apresentam premissas que podem ser adotadas por qualquer comunidade que queira estabelecer uma política de inovação minimamente funcional. Ela precisa ser fundada em um território onde convergem talentos, como demonstra Van Gogh e seus colegas em Montmartre. É necessário também que talentos de diferentes disciplinas – artísticas, técnicas e científicas – se reúnam em algum tipo de “oficinas”, para dialogar, confrontar ideias e transformá-las em ação, cooperando, ao mesmo tempo em que competem, para criar empreendimentos e financiá-los. Uma política que gere uma rede de locais com condições de aprendizagem, comunicação e execução, podem, quem sabe, fazer emergir novas renascenças.
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