Protesto contra o governo Temer, na noite de quinta-feira (1.º), em Curitiba.| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Em discurso logo após a posse, na semana passada, o presidente Michel Temer (PMDB) falou em pacificar o país depois de meses de crise política. Mas, as feridas do impeachment, ao que parece, vão demorar a cicatrizar – e não sem antes causar alguma dor. A pressão das ruas subiu o tom nos últimos dias, mais ainda que na quarta-feira da cassação de Dilma Rousseff (PT). E um agravante é que o governo federal não está sabendo lidar com a insatisfação de parte da população.

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Editorial: Os vândalos do “fora Temer”

8 motivos que levaram a insuflação dos protestos contra o governo Temer

Os protestos contra o governo de Michel Temer se avolumaram nos últimos dias – foram maiores do que no dia da votação do Senado que confirmou o impeachment de Dilma Rousseff. A intensificação pode estar relacionada a uma sequência de acontecimentos que embalou a insatisfação com o momento político. Confira oito motivações que estariam relacionadas à insuflação das manifestações:

É crime ou não – A decisão de fatiar a votação do impeachment, mantendo os direitos políticos de Dilma Rousseff, gerou uma confusão geral, principalmente porque o argumento de não penalizá-la veio acompanhado do reconhecimento, por parte de alguns deputados e senadores, de que o alegado crime de responsabilidade não havia efetivamente sido cometido.

Discurso de despedida – Depois da decisão do Senado, Dilma Rousseff veio a público e declarou que a situação não deixaria calados aqueles que discordam do impeachment. Foi uma conclamação sutil.

Discurso contraditório – Já Michel Temer, no mesmo dia da votação no Senado, usou dois tons completamente opostos. No pronunciamento de rádio e TV, falou em pacificação. Na reunião ministerial, disse que não aceitaria reações contra o que havia sido decidido pelos senadores.

Movimentos sociais – Alguns indicativos de que haveria reação em caso de impeachment já haviam sido manifestados por integrantes de movimentos sociais. João Pedro Stédile, do MST, declarou que a vida de Temer se transformaria em um inferno, em caso de impeachment.

Medidas impopulares – Depois de confirmado no poder, Temer deixou claro que tomará medidas impopulares com o argumento de colocar a “casa em ordem”. A perspectiva de perda de direitos acirrou os ânimos.

Não querer ser chamado de golpista – O desconforto de Temer ficou evidente quando ele admitiu que não queria ser chamado de golpista. Aos opositores, a fala foi como um convite para que o termo se espalhasse ainda mais. Acabou funcionando como a situação do sujeito que reage a um apelido que, então, pega de vez.

Minimizar os protestos – A declaração de Temer, dada na China, de que os protestos no Brasil eram restritos a 40 pessoas, uns gatos pingados, teve efeito duplo. Além de não ser verdade – quando a resposta foi dada uma manifestação reunindo milhares já tinha ocorrido na Avenida Paulista – a fala de Temer soou como uma provocação, que levou mais gente para a rua para mostrar que não se tratava apenas de 40 pessoas.

Atuação da polícia – A forma como a polícia atua também costuma gerar reações. Quando não age com inteligência e intervenções pontuais, para deter apenas quem efetivamente está cometendo crime, o trabalho policial é pouco eficiente e contribui para a noção de impunidade. Já quando a repressão policial é violenta, gera indignação e motiva novos protestos.

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Na avaliação do próprio Planalto, Temer errou ao subestimar os protestos contra ele e seu governo ao afirmar, em entrevista na China, que as manifestações eram coisa de um grupo de 40, 50, 100 pessoas. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, foi escalado ainda no país asiático para tentar consertar o deslize presidencial. Ele reconheceu na segunda-feira (5) o “número bastante substancial de pessoas” que participaram de atos nas ruas.

Em Curitiba, novos protestos estão marcados para ocorrer nesta terça (6) e quarta-feira (7), o que deve se repetir em outras cidades do país. O fato é que, neste momento, ninguém arrisca cravar o rumo que as manifestações vão tomar. Para especialistas, tudo depende do comportamento do governo e dos políticos, que pode funcionar como combustível para inflamar novos atos ou abafar os levantes.

É o que pensa, por exemplo, o professor Pablo Ortellado, do curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP). Sobre os próximos passos das manifestações de rua, ele acredita que tudo vai depender do tamanho e da adesão nos dias vindouros. Ortellado costuma ir aos protestos para observar. Não tem visto pedidos de “Volta Dilma”. São mais críticas ao governo Temer e pedidos de novas eleições, numa edição revisitada do movimento “Diretas Já”. A impressão que teve, até o momento, é que o perfil do manifestante de esquerda não é o mesmo antes e depois do impeachment.

É também a sensação de Rafael Cardoso Sampaio, professor do Departamento de Ciências Políticas da UFPR e especialista em Comunicação Política. “Não tem pesquisa sobre isso ainda, mas parece que não são as mesmas pessoas. Ou seja, quem está protestando agora não é necessariamente pró-PT ou pró-Dilma”, acredita. Para Sampaio, chama a atenção o fato de que os protestos estão mais intensos agora do que pouco antes da confirmação do impeachment. “Teve menos para impedi-lo e mais para mostrar a indignação com o processo. É o lado que se sente injustiçado”, comenta.

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O professor da UFPR destaca que a intensificação dos protestos pode estar relacionada, inclusive, com a reação do governo às manifestações. “Há, aparentemente, o efeito reverso. O governo tentou minimizar, dizendo que eram 40 ou 50 que estavam nas ruas, e isso pode ter motivado mais gente a participar”, pondera.

Também a repressão policial tem poder para inflar as massas, reforça o cientista político. “A reação violenta pode levar à mais revolta. A imagem da estudante ferida no olho durante protesto em São Paulo percorreu as redes sociais, causando indignação”, diz. Ele lembra que as duas situações – tanto a tentativa governamental de minimizar a manifestação como as reações policiais excessivas – também foram motivadores para alavancar as marchas de 2013. Mas Sampaio evita, contudo, comparações com os movimentos de três anos atrás, que tinham caráter mais difuso tanto nas reivindicações como no perfil dos manifestantes.

Denise Cogo, professora da ESPM-SP e que pesquisa as relações entre cultura, cidadania, comunicação e consumo, faz uma leitura das manifestações de ruas dos últimos meses e as mais recentes. “Houve uma polarização, com protestos dos dois lados. Mas agora parece que um grupo está satisfeito e não está defendendo publicamente o atual governo. Já o outro lado está insatisfeito e permaneceu nas ruas, mas agora reordenando a agenda, pedindo, por exemplo, diretas já”, comenta.

A professora esteve no domingo na manifestação que tomou a Avenida Paulista. Ela acredita que os grupos que não enxergam legitimidade no governo Temer podem acabar se unindo a outros setores, que estão mais ao longe, mas tendem a se revoltar caso medidas impopulares anunciadas pela gestão, como as que mexem em questões trabalhistas e previdenciárias, sejam efetivadas. “Os protestos podem agregar inclusive pessoas que apoiaram o impeachment, como desempregados”, afirma.

Mesmo assim, é impossível prever até quando as manifestações terão força. “Ir pra rua toda hora é cansativo, mas parece que não há outra alternativa. Não esperaria que as pessoas ficassem paradas”, acrescenta Denise. Para ela, o grupo de Temer se alimentou da polarização política e está reforçando esse discurso antagônico ao tentar criminalizar os movimentos sociais. “O governo não tem base civil. O antipetismo não sustenta a gestão”, salienta. Ela complementa que a administração Temer está com dificuldades porque foi impulsionada por um setor que não é militante, que vai pontualmente para a rua e que enfrenta resistência de quem não vê legitimidade nem no processo de impeachment nem nas pessoas que assumiram o poder.

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