Junho de 2013: o país toma as ruas contra tudo o que está por aí. 2015 e primeiro semestre de 2016: multidões pedem o impeachment de Dilma Rousseff. Dezembro de 2016: os mesmos movimentos que ajudaram a derrubar a presidente marcam manifestações em pelo menos 200 cidades do país para este domingo (4); na mira, um alvo – o Congresso. Embora diferentes entre si, todos os protestos compartilham um elemento comum, o repúdio à corrupção. E, diante da persistência desse tipo de má conduta na administração pública, deixam no ar uma pergunta: a pressão popular realmente funciona?
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“Ir às ruas funciona”, assegura o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer, comentando sobre as manifestações marcadas para este fim de semana contra as manobras dos congressistas para evitar que sejam investigados.
Segundo ele, a reação corporativista dos deputados federais já era esperada. Levantamento da ONG Transparência Brasil indica que 312 dos 513 parlamentares da Câmara respondem a algum processo na Justiça. Mas, Fleischer lembra que políticos sempre pensam na próxima eleição. E, se os protestos forem expressivos em suas bases, vão tentar não desagradar seus eleitores.
Ainda assim, manifestações esporádicas não são uma varinha mágica. Só protestar de vez em quando não traz resultados de longo prazo. “É como dizem: o preço da liberdade é a eterna vigilância”, diz o cientista político.
O povo de plantão
Especialista em fiscalização do poder público, o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, também acredita que as manifestações são importantes e mantêm pressão sobre as autoridades. Mas ele avalia que o país não tem condições de permanecer em regime de “plantão 24 horas” contra a corrupção. “A sociedade está fazendo a sua parte. Mas está quase no limite.” Castello Branco diz que esse desgaste pode levar as manifestações a se tornarem violentas – o que enfraqueceria o movimento.
Ele acredita que, como os congressistas estão agindo em causa própria, a tendência é que continuem com um comportamento dúbio– o que aumentará a irritação e o sentimento de frustração da população. Os políticos recuam para depois avançarem. Foi o que ocorreu com o pacote anticorrupção. Sob pressão popular, prometeram não votar a anistia ao caixa 2 eleitoral – e cumpriram a promessa. Mas aprovaram outras medidas autoprotetivas, diz Castello Branco.
Solução judiciária
Para ele, o Supremo Tribunal Federal (STF) é quem tem nas mãos a solução para reduzir a tensão política do país. “O Supremo tem de fazer sua parte e julgar mais rapidamente os políticos investigados pela Lava Jato.”
Os organizadores dos protestos deste domingo já perceberam isso. Uma das reivindicações é justamente para que o STF seja célere nos casos envolvendo a Operação Lava Jato.
Colaboraram Cecília Tümler e Mariana Balan
Indignação das ruas virou fiscalização permanente em Maringá
No início dos anos 2000, Maringá passou por um grande escândalo de corrupção na gestão do ex-prefeito Jairo Gianoto (1997-2000). O caso virou notícia nacional pelas cifras envolvidas – os acusados foram condenados a devolver R$ 500 milhões, em valores atualizados. A indignação dos moradores da cidade, porém, não ficou restrita a protestos e rodas de conversa. A sociedade maringaense conseguiu institucionalizar uma forma de cobrar o bom uso do dinheiro público sem ter de permanentemente sair às ruas.
“As pessoas se sentiam envergonhadas da cidade”, afirma Giuliana Pinheiro Lenza, presidente do comitê gestor do Observatório Social de Maringá. “Entidades da sociedade civil se reuniram e decidiram transformar aquela indignação numa iniciativa para evitar que a corrupção voltasse a ocorrer.”
Estava criado o Observatório – uma entidade da sociedade civil mantida por empresas e associações da cidade que tem como objetivo “colocar uma lupa” sobre licitações e contratos da prefeitura, da Câmara Municipal e da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Desde 2006, quando o Observatório começou a funcionar, já se evitou o mau uso de quase R$ 100 milhões. “Só o fato de haver um grupo organizado olhando para as licitações muda a postura do gestor público.”
Para Giuliana, o modelo adotado pelo Observatório pode ser replicado em todo o país – inclusive na fiscalização do Congresso e do governo federal.
Sociólogo critica postura dos movimentos de rua de direita e esquerda
O sociólogo e cientista político mineiro Rudá Ricci é pessimista quanto ao futuro do país e crítico em relação à postura dos manifestantes – tanto os da direita quanto os da esquerda. Segundo ele, esses movimentos têm se caracterizado pela rejeição da política tradicional e pela falta de vocação para a negociação institucional. Ou seja, tentam impor a sua visão de mundo. Para ele, esse comportamento contribui para levar o Brasil a uma grave crise institucional.
“Os movimentos de rua não veem legitimidade no Congresso. Os de esquerda querem tirar um Congresso que consideram ser o mais conservador dos últimos tempos. Os de direita querem acabar com um Congresso que acham ser todo corrupto”, diz Ricci.
A situação piora porque os próprios congressistas e os partidos, com suas atitudes, perderam a credibilidade. “Os partidos estão se consumindo. Hoje já há disputa pela queda do [presidente Michel] Temer dentro da base”, afirma o sociólogo.
Soma-se a isso a politização do Ministério Público e do Judiciário, que também tentam impor sua agenda ao Congresso. E os maus resultados na economia, com o consequente empobrecimento da população – que, segundo ele, será agravado com o desmonte de políticas sociais devido à PEC do Teto dos Gastos.
“A crise econômica alimentou a crise política que tirou Dilma e que agora vai virando crise institucional; 2017 será muito ruim”, diz Ricci.
Três saídas
Ricci vê três alternativas para o país evitar o pior, mas também não acredita que elas serão adotadas. Uma delas seria que lideranças políticas moderadas negociassem uma saída pactuada. Mas, segundo ele, hoje o Brasil não tem ninguém com esse perfil – como foram Ulysses Guimarães e Mário Covas na redemocratização. A segunda opção seria a realização ainda em 2017 de eleições gerais – para a Presidência e o Congresso. E a última seria a convocação de uma assembleia constituinte para o país “reconstruir um acordo de convivência”.
O povo nas ruas
O processo de redemocratização país engrossou quando a população saiu nas ruas para pedir Diretas Já. Desde então, o país passou por grandes protestos populares. Nem todos atingiram seus objetivos – o que mostra que multidões nas ruas não é garantia de sucesso nas reivindicações.
Diretas Já
O movimento, que se espalhou pelo país entre 1983 e 1984, pedia o fim da ditadura por meio de eleições diretas para presidente. A maior manifestação, em abril de 1984, reuniu 1,5 milhão de pessoas em São Paulo. Apesar da enorme pressão popular, o Congresso não aprovou a emenda constitucional que iria garantir a eleição direta. Ainda assim, as Diretas Já consolidaram lideranças políticas que iriam conduzir o processo de redemocratização.
Impeachment de Collor
O escândalo de corrupção envolvendo o então presidente Fernando Collor criou a geração cara-pintada, que tomou as ruas do país em 1992. Collor sofreu o impeachment e lideranças dos caras-pintadas ingressaram na política.
Jornadas de junho de 2013
“O gigante acordou.” Esse era um dos lemas das jornadas de junho, que surpreenderam os políticos duas décadas depois das grandes manifestações contra Collor. Os protestos começaram contra o aumento da passagem de ônibus e tomaram um rumo inesperado. Em pouco tempo, milhões de brasileiros pediam melhores serviços públicos – sobretudo saúde e educação no “padrão Fifa” – e o combate à corrupção. Prefeitos de todo o país baixaram as tarifas de ônibus. O Congresso sentiu a pressão e derrubou a PEC que, se aprovada, iria impedir o Ministério Público de fazer investigações criminais. Também deu andamento a uma série de projetos que tratavam das reivindicações. O Planalto prometeu ouvir a voz das ruas. Mas, três anos depois, as reivindicações não avançaram muito. Nenhuma liderança política de destaque foi formada nas manifestações, que se caracterizaram pela forte rejeição aos partidos e à política tradicional.
Impeachment de Dilma
As manifestações contra Dilma, entre 2015 e 2016, ajudaram a derrubar a presidente. O pano de fundo dos protestos era o escândalo de corrupção do petrolão. Agora, os movimentos que organizaram o “Fora, Dilma” se voltam contra a corrupção no Congresso e a favor da Lava Jato.
“Fora, Temer”
Bem menos numerosos que os favoráveis ao impeachment, defensores de Dilma também saíram às ruas para tentar mantê-la no cargo. Agora, são a base do movimento “Fora, Temer” e contra suas políticas, como a PEC do Teto dos Gastos Públicos. A corrupção no governo e no Congresso também já começa a fazer parte da pauta dessas manifestações.