Após mais de cinco horas de sessão, o Congresso encerrou a apreciação dos vetos presidenciais na madrugada desta quarta-feira (23) sem votar um dos mais importantes para o governo: o do reajuste do Judiciário.
A proposta de um aumento de até 78% dos funcionários do Judiciário pode ter o impacto de R$ 36,2 bilhões nas contas públicas até 2019. A sessão foi interrompida por falta de quórum e não há prazo definido para que a votação seja retomada.
O governo conseguiu manter 26 dos 32 vetos presidenciais em sessão do Congresso que se estendeu pela madrugada. A principal vitória foi a manutenção do veto que tratava da flexibilização do fator previdenciário. Caso a adoção da regra 85/95 anos para o cálculo da aposentadoria fosse usada como alternativa ao cálculo do fator previdenciário haveria um impacto de R$ 135 bilhões para as contas do governo até 2035.
O Congresso manteve o veto que tratada da isenção do PIS/Cofins para óleo diesel, que impactaria até 2019 R$ 64,6 bilhões. As duas propostas foram votadas em bloco. “Já tivemos importantes vitórias”, disse o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
Resposta ao mercado
Na tentativa de aplacar o mercado no dia em que a agência de risco Fitch reuniu-se com a equipe econômica e o dólar atingiu o recorde histórico de R$ 4,05, o Palácio do Planalto decidiu mudar a estratégia e deflagrou uma operação para manter todos os 32 vetos presidenciais da pauta do Congresso Nacional.
O governo, que queria inicialmente adiar mais uma vez a sessão, preferiu ir para a votação, ofereceu cinco ministérios ao PMDB e até pediu apoio do PSDB para não derrubar os vetos. E, após uma sessão com mais de 5 horas de duração, a ação deu parcialmente certa.
O Palácio do Planalto temia que a aprovação das pautas-bomba dos vetos comprometesse o esforço de atingir a meta de superávit primário de 2016 de 0,7% do PIB. Com a manutenção dos vetos, o governo evitou um aumento das despesas públicas de pelo menos R$ 127,8 bilhões até 2019 e tenta passar um recado ao mercado de austeridade, mesmo após ter perdido o selo de bom pagador concedido pela agência Standard & Poor’s e ter enviado inicialmente ao Congresso um orçamento deficitário para o próximo ano em R$ 30,5 bilhões.
PMDB já discute quando deixar o governo federal
Apesar de ter “acalmado” o PMDB com a oferta de cinco ministérios, a presidente Dilma Rousseff ainda terá uma relação tensa com o principal partido aliado. Na mesma reunião em que decidiu aceitar a oferta da presidente, a bancada peemedebista na Câmara do Deputados chegou a discutir a proposta de abandonar a base aliada, que não foi aceita.
Apesar disso, há consenso na cúpula peemedebista sobre a fragilidade de Dilma. E uma parcela expressiva dos peemedebistas acha que a deterioração do cenário econômico nos próximos meses aumentará a insatisfação da população com o desempenho da presidente e não veem possibilidade de reação que tire Dilma das cordas. Segundo o Datafolha, a presidente tinha apenas 8% de aprovação em agosto.
Nas palavras de um líder do partido ouvido pela reportagem, o PMDB não deve “enforcar o governo”, mas “deixará a corda solta para que este mesmo o faça”.
Além disso, o vice-presidente Michel Temer (PMDB) é visto como o possível sucessor de Dilma no caso de um impeachment.
O maior receio do governo era com a derrubada do veto da presidente Dilma Rousseff ao reajuste de até 78% aos servidores do Poder Judiciário. Até o fim da sessão, funcionários de carreira fizeram buzinaços do lado de fora do Congresso. Os protestos começaram durante o dia com servidores abordando parlamentares, fazendo “corredores-poloneses”, para lhes cobrar o apoio.
A presidente Dilma e seus principais ministros envolveram-se pessoalmente nas negociações. Dilma conversou com os presidentes da Câmara, os peemedebistas Eduardo Cunha (RJ), e do Senado, Renan Calheiros (AL), e líderes partidários das duas Casas.
Embora Cunha, Renan e o vice Michel Temer, que é presidente do PMDB, tenham dito que não iriam indicar nomes para a reforma ministerial, a bancada peemedebista da Câmara deve ficar com a Saúde e outro para uma pasta da área de infraestrutura, a do Senado dois ministros e o quinto ministro, um nome de consenso entre as bancadas das duas Casas.
Grécia
“O Brasil não pode evoluir para virar uma Grécia”, disse o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE). “O governo dá uma demonstração que está rearrumando a Casa e dá mais solidez ao cenário político”, disse o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ).
Os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), José Eduardo Cardozo (Justiça), Ricardo Berzoini (Comunicações), Edinho Silva (Comunicação Social) e o assessor especial Giles Azevedo fizeram a contagem dos votos necessários no Congresso, na tentativa de desarmar a pauta-bomba.
Para derrubar qualquer um dos 32 vetos da pauta eram necessários o voto de pelo menos 257 deputados e 41 senadores conjuntamente. O governo centrou inicialmente esforços no Senado, Casa em que avaliava ter votos para manter os vetos, mas conseguiu um apoio também da Câmara. O corpo-a-corpo do governo entre os deputados ajudou nessa virada.
Cardozo procurou o senador tucano Aloysio Nunes Ferreira (SP) para pedir uma conversa com a bancada do partido a fim de evitar votos a favor da pauta-bomba. O tucano declinou do convite, mas indicou que senadores do partido seriam favoráveis à manutenção dos vetos, o que de fato ocorreu como no caso do reajuste do Judiciário.
O líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), liberou a bancada para apreciar essa última proposta. O partido avaliou reservadamente não ser possível derrubar os vetos porque, se eventualmente vier a assumir o Palácio do Planalto, pegaria o País numa situação mais delicada.