No final de julho, o próprio presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, já admitia que as eleições deste outubro seriam uma espécie de “experimento institucional”. “Certamente em novembro precisaremos discutir uma reforma dessa legislação”, declarou ele, em referência à primeira eleição sem que as empresas pudessem doar dinheiro às campanhas dos candidatos, principal alteração de uma série de mudanças feitas pelo Congresso Nacional no final do ano passado. Agora, quase três meses depois daquela declaração, e após o primeiro turno da eleição, políticos já começam a se mexer a favor de uma nova reforma na legislação eleitoral.
Veja os pontos da reforma política em discussão no Congresso
Fim das coligações e cláusula de desempenho na pauta
Embora o debate em torno do financiamento da campanha eleitoral esteja intenso nos bastidores do Congresso Nacional, outras mudanças na legislação eleitoral estão mais avançadas por lá. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 36/2016, por exemplo, já tem data para ser votada no plenário do Senado, próximo dia 9. Entre outras coisas, a PEC acaba com as coligações partidárias nas eleições proporcionais, a partir de 2020, e estabelece uma cláusula de desempenho partidário.
Pelo texto da PEC, as legendas precisarão ter um porcentual mínimo de 2% dos votos válidos, apurados nacionalmente, distribuídos em pelo menos 14 estados, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada um deles. Caso não atinjam a meta, perdem o Fundo Partidário e o tempo de propaganda eleitoral.
“Nada ficou mais claro nessas eleições do que a inviabilidade de continuarmos tendo um sistema político no Brasil com mais de 30 siglas. A grande maioria não é partido político. Eles disputam as eleições se apropriando indevidamente de um fundo partidário e depois negociando o seu tempo de televisão, sem que tenha a conexão mínima com qualquer setor da sociedade brasileira. O Brasil não tem 35 linhas de pensamento político que justifique esse número abissal”, disse à imprensa o senador Aécio Neves (PSDB-MG), um dos autores da PEC.
Concretamente, uma comissão especial para debater o assunto deve ser criada nesta quarta-feira (19), na Câmara dos Deputados.
O foco principal dos parlamentares é o financiamento da campanha eleitoral. Antes, empresas e pessoas físicas podiam fazer doações. Na esteira da Operação Lava Jato, as doações de pessoas jurídicas foram vetadas e sobraram apenas as doações individuais e o dinheiro dos próprios partidos políticos, sustentados principalmente pelo chamado Fundo Partidário, que é composto majoritariamente por verba da União.
Embora a redução do custo da campanha eleitoral tenha sido considerada positiva por parte da classe política, em especial as grandes e médias legendas alegaram dificuldade para captação de recursos, a ponto de inviabilizar o contato entre candidato e eleitor. A doação do eleitorado não vingou e os candidatos acabaram dependentes quase que exclusivamente do dinheiro dos seus partidos políticos. O TSE aponta que, no primeiro turno, a redução na arrecadação foi de 65% em relação ao mesmo período da campanha eleitoral anterior, de 2012.
“Fundo eleitoral”
Políticos admitem que não há clima para a volta do financiamento privado e o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a possibilidade de doação empresarial, no final de 2015. Apesar disso, o veto permanente à doação de pessoa jurídica não é unânime e já há rascunhos de propostas de financiamento que incorporam a possibilidade.
No Congresso Nacional, o que começa a ganhar corpo é a criação de um “fundo eleitoral” para abastecer as campanhas em 2018. Uma parcela de políticos defende que o fundo eleitoral seja alimentado por dotação orçamentária da União, como uma espécie de Fundo Partidário “turbinado”. A outra parcela admite que empresas colaborem com o fundo eleitoral, desde que o dinheiro seja distribuído de forma proporcional entre as siglas. Além disso, o fundo eleitoral seria administrado pelo TSE.
Entre os que defendem o Fundo Partidário “turbinado”, a dúvida seria se doações de pessoas físicas continuarão sendo aceitas ou se o financiamento público exclusivo seria aprovado. Para parte da classe política, o modelo atual, no qual doações individuais continuaram permitidas, beneficia o candidato “mais rico”, ou seja, aquele que tem mais condições financeiras de “doar” para a própria campanha eleitoral. Com o financiamento público exclusivo, a ideia seria resolver distorções do tipo, embora as regras de distribuição do dinheiro ainda estejam sendo discutidas.
A reforma política, ponto a ponto
Com o fim do primeiro turno das eleições deste ano, veja o que deve ser modificado até o pleito de 2018, considerando as discussões que ganham força hoje no Congresso Nacional:
Financiamento
“Traumatizados” com o veto a doações de empresas e a consequente redução do dinheiro para campanha eleitoral, políticos já agilizam a modificação da regra para as próximas eleições. Em estudo está a criação de um “fundo eleitoral” coletivo, administrado pela Justiça Eleitoral. Parlamentares que apostam na ideia, contudo, estão divididos em relação às fontes para o “fundo eleitoral” – parte defende apenas verba pública, outra parte quer o retorno da ajuda empresarial, mas sob novas regras.
Lista fechada
Na esteira da discussão em torno da redução do custo da campanha eleitoral, a proposta de “lista fechada” voltou a circular no Congresso Nacional. O método permite que o eleitor escolha apenas o partido político, que, por sua vez, define uma lista com nomes de filiados para ocuparem as vagas eventualmente conquistadas pela legenda. A ideia é fortalecer os partidos políticos. Além disso, a campanha de um partido político ficaria mais barata do que a campanha de uma lista de candidatos deste mesmo partido político. Por outro lado, parlamentares contrários à proposta alegam que a “lista fechada” fortaleceria os “caciques” da legenda e traria dificuldades à renovação de quadros.
Tempo da campanha
A campanha eleitoral mais curta, realizada neste ano, deve se repetir no pleito de 2018, mas políticos pensam em ajustes no calendário. O início do prazo para registro de candidatura, por exemplo, deve ser antecipado, já que a Justiça Eleitoral teve um tempo menor para analisar os pedidos de candidatura neste ano, fato considerado negativo. A campanha eleitoral do segundo turno, que ainda segue até o último domingo deste mês, também deve ser reduzida. Na visão de políticos, com a queda na arrecadação, candidatos estão sem fôlego para levar a campanha eleitoral até o fim.
Alianças partidárias
Em discussão avançada no Congresso Nacional, as coligações partidárias nas eleições proporcionais (disputa dos cargos de vereadores, deputados estaduais e federais) podem sobreviver nas eleições de 2018, mas já devem ser vetadas a partir de 2020. É o que prevê a PEC 36/2016, que será votada no plenário do Senado no próximo dia 9. Na sequência, o texto segue para análise da Câmara dos Deputados. O fim das alianças na corrida proporcional é o ponto hoje de maior convergência entre as lideranças no Congresso Nacional.
Cláusula de desempenho
Também em discussão avançada no Congresso Nacional, já que está incluída na PEC 36/2016, a criação de uma cláusula de barreira pode começar a valer já na próxima eleição, em 2018. A ideia não seria vetar a criação de um partido político, mas evitar que uma legenda “sem votos” consiga sobreviver. A PEC estabelece um limite mínimo de votos que uma legenda deve ter para não perder sua fatia no Fundo Partidário e também na televisão. Como a ideia é inviabilizar apenas partidos “laranja” ou “de aluguel”, siglas pequenas, mas que apresentam conteúdo ideológico e programático, como o Psol ou a Rede Sustentabilidade, são resistentes à cláusula de barreira.
Fim da reeleição
Menos lembrada nas discussões hoje sobre reforma política, o fim da reeleição deve ser discutido, mas ainda há grande resistência no Congresso Nacional. O aumento da duração do mandato, para compensar o veto à reeleição, é uma possibilidade ventilada. Outros dois pontos da reforma política correm por fora: a coincidência dos mandatos, para que sejam realizadas eleições apenas de quatro em quatro anos, e não a cada dois anos (eleições municipais e gerais); e o fim do voto obrigatório, tema que não tem prioridade hoje no Legislativo.