| Foto: Elza Fiuza -/Ag Brasil

Neste exato momento, algo em torno de 140 milhões de brasileiros estão analisando argumentos, ponderando prós e contras e tentando dar algum sentido à decisão que terão de tomar no próximo domingo, quando a urna eletrônica perguntar seu candidato favorito para governar a cidade. Essa pode ser uma decisão fácil para alguns, mas boa parte do eleitorado muda de opinião ao longo da corrida eleitoral e só consegue chegar a uma conclusão nas últimas horas (quando não minutos) antes de enfrentar a urna. Cientistas em todo o mundo têm se debruçado sobre essas diferenças de comportamentos para tentar entender o que motiva o voto nas democracias modernas. Afinal, o que sabemos sobre como essa decisão é feita?

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A psicologia social hoje entende o ato de votar como um dilema informacional, e uma maneira de entender esse dilema é criando categorias para certos tipos de comportamento. Imagine a seguinte situação: você precisa confiar em um determinado amigo para escolher o filme que vocês vão assistir no cinema.

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No seu rol de opções, há três tipos de amigos: um que tem o gosto parecido com o seu, mas talvez não esteja muito bem informado sobre quais filmes estão em cartaz; outro que sabe tudo sobre cinema e leu todas as resenhas, mas não parece ter o gosto igual ao seu; e ainda um terceiro sobre o qual você não sabe muito bem o gosto nem o quão informado está, mas que já escolheu um filme ótimo em uma ocasião passada.

Essa analogia, criada pelo psicólogo social Jon Krosnick, da Universidade de Stanford, ajuda a entender o dilema que o eleitor enfrenta na hora de eleger um candidato. Segundo ele, os eleitores podem ser classificados com base nesses três tipos de escolha. Há quem prefira votar em quem partilha as mesmas opiniões políticas ou ideológicas - normalmente, são os que já decidem em quem votar no começo da corrida, com base, por exemplo, no partido.

Outros eleitores preferem dar seu voto em quem acham que será mais capaz de administrar a cidade - uma pergunta cuja resposta não só varia de pessoa para pessoa, mas que pode mudar ao longo da campanha. E há os que decidem de acordo com o que sabem do passado dos candidatos - e que, por isso, também estão sujeitos a mudar de opinião no decorrer dos debates eleitorais.

Essas três categorias, no entanto, são apenas abstrações. Elas contribuem para a interpretação do fenômeno do voto, mas nem sempre as pessoas se encaixam perfeitamente dentro de uma - ou nem os candidatos têm o perfil exato para incentivar um determinado tipo de escolha. O primeiro estudo sobre a análise municipal do voto feito no Brasil, pelo professor da Universidade de São Paulo Aziz Simão em 1954, já percebeu a dificuldade em criar categorias para analisar o comportamento eleitoral.

O autor concebeu duas categorias de eleitores ao analisar o voto operário na capital paulista nas eleições de 1945 e 1947 - os que votam de acordo com o seu julgamento sobre quem seria o melhor candidato e os que votam por outras circunstâncias, como amizade ou interesse. Mas, algumas linhas depois, ele mesmo percebeu a inconsistência característica dos seres humanos, que resistiam em não se encaixar nas suas recém-criadas categorias.

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“Têm sido geralmente observados - ainda - casos de duplicidade de comportamento em um mesmo indivíduo, que se comporta diferentemente conforme sejam os candidatos ou cargos em eleição”, reclamou o professor.

Marketing

Se a divisão por categorias ajuda mas não resolve, outros estudos nos campos da psicologia e economia são mais conclusivos em demonstrar alguns comportamentos recorrentes em eleitores. O marketing eleitoral sabe disso, e usa esses conceitos ao vender o seu candidato como o melhor para os votantes - que, na maioria das vezes, não estão conscientes de por que exatamente estão pendendo mais para um lado do que para o outro.

Uma das descobertas mais relevantes nesse sentido é de que as pessoas não tratam informações boas e más da mesma maneira. Assim como os animais selvagens procurando comida estão muito mais atentos aos sinais de perigo, o eleitor também reage de maneira mais intensa a sinais negativos vindos de um candidato do que positivos. É o chamado “viés de negatividade”.

Um conceito cunhado ainda nos anos 1950 e que, hoje, é explorado incansavelmente pelos marqueteiros em propagandas negativas contra os seus rivais nas eleições ao redor do mundo.

Além disso, há a chamada “aversão à perda”. Essa teoria, desenvolvida por dois economistas americanos na década de 1990, revela que as pessoas sofrem mais ao perder algo que querem do que ao deixar de ganhar algo de valor considerado similar. Isso significa que o eleitor tende a ser mais conservador a respeito da manutenção de conquistas que ele considera estar em risco em uma determinada eleição.

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O marketing eleitoral tirou muito proveito desse fenômeno nas últimas eleições presidenciais em relação ao Bolsa Família, por exemplo: a campanha petista levantava a possibilidade dos programas acabarem no caso de vitória dos seus adversários, enquanto os tucanos se esforçaram para garantir que esse risco não existia.

Outra característica que os marqueteiros perceberam há tempos é que, na verdade, são bem poucos os eleitores que realmente sabem o que querem de um candidato. Um estudo que se tornou famoso em relação a esse tema foi conduzido pelo pesquisador americano Gregory Markus, da Universidade de Michigan, em 1982. Ao analisar um conjunto inédito de dados referentes às eleições americanas em 1980, ele descobriu que as pessoas, não raramente, trocavam de resposta diversas vezes no decorrer da campanha quando perguntadas sobre políticas públicas de maneira mais específica.

“As análises de mais de um ano de dados indicam (...) um nível razoável de instabilidade da atitude em nível individual”, escreveu o cientista. Segundo ele, cerca de 30% dos participantes que deram sua opinião sobre uma determinada política pública - se, por exemplo, o próximo presidente deveria ser mais amigável ou agressivo em relação à União Soviética, por exemplo, mudaram sua posição no assunto ao longo de sucessivas entrevistas.

Markus atribuiu parte das mudanças a um fenômeno simples: talvez os assuntos sejam complicados demais para o eleitor e longe demais do seu cotidiano para que ele saiba exatamente o que é melhor. Mas, como ele mesmo admite, o marketing eleitoral também pode ter tido papel relevante ao convencer os cidadãos a mudar de ideia sobre esse tema.

Nos trópicos

No Brasil, a maior parte dos estudos recentes sobre o comportamento eleitoral foca na análise dos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e de outras fontes oficiais para tentar entender as variáveis que melhor explicam a decisão dos votos. Uma onda recente de estudos apoiados nessas bases, ao estudar as eleições municipais de 2004 a 2012, conseguiu identificar de maneira mais clara alguns padrões de votação que se repetem a cada ciclo eleitoral.

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Talvez a conclusão mais importante desses estudos é de que há peculiaridades importantes nessas eleições quando comparadas com as nacionais. A primeira diz respeito ao tamanho dos municípios: é impossível tentar colocar no mesmo balaio um eleitor que vai escolher um prefeito para uma cidade de, digamos, 10 mil habitantes com outro que votará em São Paulo. O eleitor em cada tamanho de cidade age de maneira diferente na hora de ponderar por um outro candidato, e leva em consideração fatores diferentes para decidir o seu voto.

Isso fica claro em um estudo publicado pelos pesquisadores Bruno Speck (USP) e Emerson Urizzi Cervi (UFPR) em 2013. Ao analisar o peso do dinheiro e tempo de rádio e TV na disputa pelo voto nas eleições municipais do ano anterior, os pesquisadores descobriram que, em municípios menores, a “memória eleitoral” - ou seja, os votos obtidos pelo partido do candidato na eleição anterior - e os recursos financeiros de campanha têm maior importância que em municípios maiores. Já nos grandes municípios, a memória eleitoral quase não importa - é o tempo de TV ou de rádio que conta mais, além da quantidade de recursos financeiros que a campanha mobilizou.

“Foi recentemente que nós, pesquisadores brasileiros, começamos a usar dados em larga escala para tentar comparar o comportamento nas eleições municipais”, conta a professora Mara Telles, da UFMG. Ela organizou, em parceria com o cientista político Antonio Lavareda, o livro Como o Eleitor Escolhe Seu Prefeito: Campanha e Voto nas Eleições Municipais, publicado pela editora FGV neste ano, e que traz mais de uma dezena de artigos recentes sobre como o eleitor vota nos pleitos locais. “Vimos que a literatura brasileira sobre esse tema era ainda bastante restrita e quisemos incentivar esse debate”, afirma.

Um dos artigos do livro, de autoria de Marcelo Simas, Mathieu Turgeon e Marcos Tavares Pedro, mostrou por exemplo que variáveis macroeconômicas como desemprego e inflação não influenciaram no voto para prefeito das capitais. A conclusão foi reforçada por artigo de Wladimir Gramacho, André Jácomo e Thiago Sampaio, que analisa o que as pessoas levam em consideração ao avaliar a performance dos prefeitos de São Paulo - opinião que está ligada à intenção de voto nas eleições seguintes. Segundo eles, condições econômicas, mesmo quando medidas apenas na cidade, não têm influência direta na avaliação, assim como a taxa de homicídios.

O aumento das passagens de ônibus, porém, tem efeito significativo na maneira com que a população enxerga o governante - eles custam, em média, 5 pontos de avaliação positiva para o prefeito que tem de tomar essa impopular decisão, segundo os autores. Além disso, os mesmos cientistas mostraram que parte da aprovação do prefeito de São Paulo está associada à avaliação que a população faz do governador do Estado. Segundo eles, “coincidências de políticos do mesmo partido na prefeitura e no governo estadual ou federal parece transferir para o nível municipal parte maior dos êxitos e fracassos de políticas que não são formalmente da competência local”.

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Considerando tudo o que já sabemos sobre o comportamento do eleitor em eleições municipais, isso significa que já não podemos esperar muitas surpresas na votação da semana que vem? Para os cientistas políticos brasileiros, é justamente o contrário. “Essas eleições devem ser as mais imprevisíveis dos anos recentes”, diz Mara Telles, da UFMG. Segundo ela, parte disso pode ser atribuído às mudanças na legislação eleitoral que começaram a valer neste ano, como a diminuição no tempo de campanha e a proibição de doações de empresas, que derrubou o total arrecadado pelos candidatos para as campanhas.

Mas, na visão dela, o aumento da fragmentação partidária e da descrença dos eleitores nos partidos influencia de maneira similar essa imprevisibilidade. “Se você tem menos tempo de campanha e menos recursos para fazer propaganda, você está aumentando o custo para o eleitor se informar. E isso fortalece quem tem algum outro tipo de capital, como o religioso.

É recorde a quantidade de candidatos que se declaram pastores, padres ou bispos. Ao mesmo tempo, a falta de referência partidária está fazendo com que partidos nanicos como o PRB em São Paulo (Celso Russomanno) e Rio (Marcelo Crivella), ou o PHS em Belo Horizonte (Alexandre Kalil), mudem a lógica da campanha em capitais importantes”, explica. Assim, quase paradoxalmente, o eleitor brasileiro deverá ter o comportamento bem mais imprevisível justamente quando temos mais informações e pesquisas sobre como ele deveria, em tese, se comportar.