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Mandado de injunção é o remédio constitucional cabível em caso de omissão do legislador

Quando um dispositivo constitucional ainda não conta com a regulamentação necessária, existe um mecanismo que pode garantir sua eficácia. Trata-se do mandado de injunção, instrumento processual por meio do qual é possível pedir a regulamentação de uma norma quando os poderes competentes não o fazem. Classificado como uma ação civil constitucional, o mandado de injunção já fez valer alguns direitos previstos na Constituição.

É o caso das aposentadorias especiais. A Constituição Federal exige lei complementar para estabelecer requisitos e critérios diferenciados para servidores públicos cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais. Algumas categorias, no entanto, recorreram à Justiça e, após análise de mandado de injunção, o Supremo Tribunal Federal (STF) regulamentou o direito às aposentadorias.

"Há questionamentos sobre a interferência entre os poderes, mas é um instrumento válido quando o Legislativo não faz a sua parte", avalia o professor de Direito Constitucional da UFPR Egon Bockmann Moreira sobre o mandado de injunção. "É um mecanismo importante e que deveria ser mais utilizado no Brasil, visto que a Constituição dá essa possibilidade", acrescenta Eduardo Faria Silva, professor da Universidade Positivo.

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A Constituição Federal brasileira completa amanhã 25 anos de existência. Apesar de representar um marco na política nacional, a data serve também para lembrar que a Lei Fundamental do país possui uma série de lacunas. Mais precisamente 117 dispositivos que ainda não foram regulamentados e, por consequência, ainda não têm plena validade. São questões relacionadas aos mais diversos temas, de direitos trabalhistas a segurança nacional, que dependem de iniciativa do Congresso Nacional para ganharem eficácia.

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As normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que não produzem, por si só, a plenitude de seus efeitos e necessitam de uma lei complementar que defina a forma como serão aplicadas. Para que isso aconteça, é necessária aprovação do legislador ordinário, no caso, o Congresso Nacional. Em abril deste ano, foi formada uma comissão com representantes da Câmara dos Deputados e do Senado com o objetivo de revisar todos os dispositivos que carecem de regulamentação.

Segundo levantamento da comissão, existem ao todo 117 dispositivos não regulamentados. Desses, 76 já têm propostas regulamentadoras tramitando no Congresso Nacional. Em cinco meses de atividade, três projetos já foram aprovados pela comissão: a regulamentação do trabalho doméstico; a eleição indireta para cargos de presidente da República e vice, em caso de vacância nos últimos dois anos do mandato; e o tempo de programação regional no rádio e na televisão. Inicialmente programada para encerrar os trabalhos no mês que vem, a comissão deverá ser ampliada e funcionar até 2014, devido ao volume de trabalho.

Fatores

Para o professor de Di­reito Constitucional da Univer­si­­­­­dade Federal do Paraná (UFPR) Egon Bockmann Moreira, há um conjunto de fatores que faz com que um grande número de dispositivos não regulamentados se acumule. Um deles é o fato de a Constituição brasileira ser bastante minuciosa e analítica, abrangendo uma quantidade expressiva de assuntos. "Como o Congresso ocupa boa parte do seu tempo com atividades que não são legislativas, ele não consegue dar conta de toda essa demanda", analisa.

Professor do curso de Di­rei­to da Universidade Posi­tivo, Eduardo Faria Silva lembra que a Constituição de 1988 foi fruto da disputa entre vários grupos setoriais, o que fez com que fossem incluídos no texto vários itens que não necessitavam de previsão constitucional. "Por conta do momento de transição, da ditadura para a democracia, esses grupos aproveitaram para assegurar suas pretensões através da Constituição. Algumas questões foram deixadas propositadamente para serem regulamentadas em um momento posterior, outras não puderam ser implementadas por questões socioeconômicas", explica.

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Conheça alguns dos prin­­­­ci­­pais dispositivos cons­ti­­­­­tucionais que aguardam regulamentação:

Direito de greve dos servidores públicos

Embora previsto na Constituição, o direito de greve no setor público permanece sem lei específica, o que faz com que seja aplicada aos servidores a Lei 7.783/1989, que disciplina a greve no setor privado. A Comissão de Direitos Humanos do Senado prepara um projeto de lei para regulamentar, junto com o direito de greve, outros aspectos das relações de trabalho, como a forma de tratamento de conflitos e regras para a negociação coletiva.

Liberdade de informação

Pelo menos três artigos da Constituição estão pendentes de regulamentação: o 220, que proíbe o monopólio e o oligopólio nas comunicações; o 221, que define as finalidades da programação de rádio e tevê; e o artigo 5º, que dispõe sobre o direito de resposta. Algumas propostas para regulamentação dessas questões foram apresentadas no Congresso, sob alegação de que essa indefinição traz prejuízos consideráveis para a democracia.

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Criação de municípios

A possibilidade de criar novos municípios está suspensa desde 1996, devido à aprovação de uma emenda constitucional, segundo a qual é necessária uma lei complementar federal regulamentando o processo. Um projeto foi aprovado na Câmara no ano passado, prevendo que a formação das cidades deverá atender quesitos relacionados à população, atividade econômica e zoneamento urbano. A proposta ainda precisa passar pelo Senado.

Demarcação de terras indígenas

A Constituição de 1988 consagrou o princípio de que os índios são os primeiros e naturais senhores da terra, cabendo ao Estado assegurar esse reconhecimento através da demarcação física e homologação das terras. Pelo texto, foi estabelecido um prazo de cinco anos para a demarcação de todas as terras indígenas. Mas, como isso não aconteceu, esses territórios se encontram sob diferentes situações jurídicas, gerando debates e conflitos.

Tipificação do terrorismo

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O Brasil não tem uma definição clara para a repressão penal de atos terroristas. A Constituição Federal prevê o crime de terrorismo, mas não estabelece pena nem tipifica as ações. Apenas a Lei de Segurança Nacional, editada na década de 1980, menciona o terrorismo, mas ainda com redação feita durante o regime militar. Propostas para tipificação estão sendo analisadas no Congresso, que quer regulamentar o tema antes da Copa do Mundo de 2014.

Regras trabalhistas

Entre os dispositivos constitucionais não regulamentados estão vários itens relacionados a direitos trabalhistas. Questões como concessão de aposentadoria especial, situações para perda de cargo, diferenças remuneratórias e regime jurídico para categorias específicas aguardam a definição de leis específicas. No caso de aposentadorias especiais, já existem regulamentações feitas pela Justiça por meio de mandado de injunção.