O direito, como a filosofia, vive de discussões que se repetem no tempo. Novos contornos são forjados, novas roupagens, novos rumos. Mas, no fundo, dificilmente os alicerces (paradigmas) são derrubados para a edificação de novos, a fim de se reestruturar a própria ciência. Nesse prisma, uma das discussões filosóficas mais antigas e que se estende também ao direito, é a dicotomia racionalismo versus relativismo.
Racionalistas, normalmente, entendem o mundo (e o direito) como algo sistêmico, que tende sempre a um alinhamento comum, racional e uniforme, aplicável a toda a espécie humana. Relativistas, por outro lado, tendem a defender a convivência de várias verdades, preferindo enxergar o mundo como algo mais fragmentário, que não tende, necessariamente, a uma aproximação entre as diversas sociedades humanas.
No direito, essas correntes filosóficas também são muito debatidas. Ora uma, ora outra prevalecem entre os especialistas e doutrinadores, criando toda uma cadeia de interpretação que vem a surtir efeitos bastante sensíveis em nossa organização social. Confesso que tenho uma matriz mais racionalista. Acredito na universalidade do gênero humano e que devemos sempre buscar soluções racionais, que nos aproximem por meio da construção de fundamentos comuns, identificados por meio da razão pelos dados fornecidos através da experiência.
E, dentro desse conceito, a mediação é uma oportunidade bastante rica para começarmos a racionalizar nossos conflitos e, principalmente, as soluções destes. Hoje em dia, vivemos o imperativo do discurso, muitas vezes erístico (expressão usada por Schopenhauer em sua obra Como vencer um debate sem precisar ter razão), e que faz prevalecer, no embate processual, a parte que tenha maior capacidade de produzir sua verdade (à luz do direito como interesse juridicamente protegido, na lição de Ihering).
Nesse palco, a produção e a apresentação da verdade do cliente é a grande arte do advogado. E isso não quer dizer que o advogado é um produtor de mentiras ou de meias verdades. É a dinâmica processual do litígio que exige do advogado, num ambiente como esse, o desenvolvimento de sua função baseado nos elementos que lhe são fornecidos, com foco no interesse do cliente, mas sem muito espaço para esclarecer se há razões efetivas que o sustentem. É aí que o advogado da parte, após ouvir diversas vezes a versão do seu cliente e elucubrar as armas que parecem estar ao lado da sua ex adversa, enceta sua estratégia para o litígio, que terminará através de uma decisão de um terceiro, juiz ou árbitro, ao interpretar aquilo que lhe venha produzido pelos litigantes, à luz da lei.
Ora, se esse é o universo em que se concebem as decisões judicias e arbitrais, não há como se negar que, em muitos casos, o resultado refletirá a superposição (ainda que parcial) de uma das versões que se mostre mais bem produzida do que a outra, conforme venha a ser diagnosticado pelo julgador. E isso, sem dúvidas, culmina na resolução do litígio, pois define, com segurança jurídica, o que deve ser feito pelas partes a partir de então... Contudo, apesar de por fim ao litígio, também é comum que tais soluções não resolvam, propriamente, o problema.
A dinâmica da mediação, contudo, é bastante diferente do que se descreveu acima. Na mediação, as partes podem, com o auxílio de um terceiro – desvinculado e equidistante a ambas, apresentar seus argumentos de forma mais aberta e ter acesso à realidade da outra, através de um procedimento encetado para que ambas tenham maior “conhecimento” sobre aquilo que disputam entre si, com maior oportunidade para questionarem a si mesmas, pois não estão num ambiente de julgamento. Essa troca possibilitada pela mediação, ainda que não venha a resultar numa solução comum entre as partes, lhes fará compreender melhor a realidade do conflito, mesmo que não cheguem a um ponto comum. Certamente, num processo de mediação bem conduzido, as partes saem mais conscientes do que entraram com relação ao tema que discutem. E isso é fundamental para a resolução não apenas do litígio, mas também do problema.
Esse método de resolução de controvérsias, classificado como “autocompositivo” pela doutrina especializada, ao menos em tese, parece representar um meio mais racional (na acepção do termo referenciada no segundo parágrafo) do que aquele utilizado pela dinâmica processual do litígio atual. Isso não quer dizer que meios “heterocompositivos”, como a arbitragem e o processo judicial, são irracionais. O argumento que sustento é que, certamente, na autocomposição as soluções tendem a ser mais autônomas, até por partilharem sufixos. E é na autonomia que reside a racionalidade. Assim, tendo a acreditar mais, por uma questão metodológica, na verdade construída por meio da mediação, do que na verdade vencedora, produzida através dos processos judicias e arbitrais.
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