Os litígios de família estão entre os mais ingratos pelo sofrimento que invariavelmente causam aos envolvidos. Isso é especialmente grave no que diz respeito às crianças de tenra idade, para quem o desfazimento do lar familiar deve ser um acontecimento verdadeiramente apocalíptico. A criança não tem maturidade para entender os fatos e sua rotina passa por mudanças profundas.
Por costume, quando da separação de um casal com filhos pequenos, estes acabam morando com a mãe e sendo visitados pelo pai – um eco, talvez, da amamentação e da ligação física da gestação. Esse costume era repetido em decisões judiciais que fixavam “visitas paternas em finais de semana alternados” e fórmulas semelhantes, invariavelmente delegando a guarda unilateral à mãe.
A “guarda compartilhada” existia no Código Civil mais como uma sombra: a lei não dizia como ela deveria funcionar, nem o que ela significava. A princípio, a guarda compartilhada dependeria completamente do bom senso do casal recém separado, com o qual nem sempre se pode contar.
A doutrina procurou preencher o vácuo criado pela imprecisão legal. Dominante era a concepção de que a guarda compartilhada não significaria nada além de decisões sobre o futuro das crianças tomadas conjuntamente – mas o exercício de fato da guarda ainda unilateral; no máximo, “visitas livres” (outra coisa que raramente funciona a contento). Nisso, privilegiava-se a conveniência dos pais e não necessariamente o melhor interesse das crianças. Há uma espécie de dogma doutrinário de que é inadmissível para a criança ter “duas casas” e se deslocar entre elas, que isso seria pernicioso – mais pernicioso, até, do que ter contato com um dos genitores a cada final de semana, ou a cada quinze dias. Mas ora, se feriados, dias dos pais e das mães, férias, aniversários e outras datas comemorativas já eram divididas “meio a meio”, qual seria o grande problema em dividir assim o restante do tempo?
Faltava o legislador dizer no que consistia a guarda compartilhada - e assim ele fez no parágrafo segundo do art. 1.583 do Código Civil: “na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”. Esse é o núcleo da definição da guarda compartilhada, que deverá, conforme for o caso, comportar adaptações. Feita a definição em linhas gerais, o legislador criou uma regra ainda mais interessante: se não houver acordo entre os pais sobre a guarda, o juiz deverá, sempre que as demais condições permitirem, fixar o regime da guarda compartilhada. Parece um contrassenso: no entanto, verificando o magistrado que se trata apenas da habitual birra entre recém-separados, e que estes reúnem as demais condições para criar os filhos que geraram enquanto durou a união, a fixação de guarda compartilhada é o um regime muito vantajoso paras as crianças, já que estas não terão um “pai de fim de semana” e nem o convívio com um dos genitores será apenas um fato episódico, mas a presença dos pais será constante, permeando a rotina do menor nos momentos mais importantes, que não esperam o “final de semana alternado” para acontecer.
Com isso há ainda outra vantagem, que é a maior margem da qual o magistrado dispõe para refrear o uso da guarda unilateral como um instrumento de chantagem e pressão sobre o genitor que não a exerce. Verificando que essa animosidade existe, o juiz pode dividir a responsabilidade pela criação do menor igualmente entre os pais – o que não significa, como antes se defendia, apenas decidir conjuntamente sobre a escola e a festinha de aniversário, mas dividir igualmente as responsabilidades dos pais e, sobretudo, sua a presença na vida da criança. Esse é o aspecto mais importante da mudança legal: um regime de guarda que parte do pressuposto de garantir a presença de ambos os genitores na rotina da criança, preservando, perante ela, uma espécie de “igualdade de condições” que não é meramente material, mas existencial.
Há meios concretos à disposição do juiz – que não precisa recorrer a qualquer criacionismo judiciário para impedir que a guarda unilateral seja usada para “punir” um dos genitores, privando-o do convívio com o os filhos pelo pai que exerce a guarda. Essa ocorrência tão comum aparece em filmes, livros, novelas – o verdadeiro punido pela prática, sabemos, é o menor. A alteração legal torna mais difícil essa insidiosa prática e o melhor interesse dos menores é mais protegido do que no regime anterior, na mesma medida em que, quando se parte do pressuposto de que a guarda deverá ser compartilhada, é necessário que haja motivos suficientes para que seja tornada unilateral: o genitor que não deseja exercer a guarda, conforme prevê expressamente o mesmo parágrafo segundo do art. 1.584, ou a falta de condições e “motivos graves”, conforme prevê o art. 1.586.
O juiz deve orientar os genitores sobre o cumprimento do regime da guarda compartilhada, nos termos do art. 1.584, o qual determina que ele “informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas”. É um aperfeiçoamento da lei. Se está diante da possibilidade de uma divisão mais igualitária de responsabilidades entre o pai e a mãe – advertindo-os para a gravidade e enorme dimensão existencial da tarefa que é criar filhos.
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