No último artigo, tratei da responsabilização tributária do sócio-gerente que, para fugir da responsabilização pessoal (quando cabível), transfere seus bens próprios para uma pessoa jurídica, tentando retirá-los do âmbito da expropriação forçada.
Problema um pouco diverso ocorre quando empresas de um mesmo grupo econômico de fato participam dos benefícios financeiros da atividade, mas pretendem responder isoladamente pelas dívidas fiscais, especialmente no caso em que uma (ou algumas) delas não tem capacidade econômica de satisfazê-las.
Grupo econômico é a reunião de duas ou mais empresas, juridicamente independentes, sob direção, controle ou administração única (CLT, art. 2º, §2º).
O grupo econômico convencional é aquele formalizado nos moldes do art. 265 e seguintes da Lei nº 6.404/1976. Para restar caracterizado um grupo econômico de fato, deve ser constatada a gestão centralizada (unidade laboral, gerencial e patrimonial) com estrutura própria meramente formal. São empresas que muitas vezes mantêm vínculo negocial, compartilhando participações acionárias ou constituem quadros societários controlados pelas mesmas pessoas, sem a necessidade de manterem uma estrutura organizacional unificada juridicamente (apenas materialmente).
Em matéria de responsabilidade tributária, o art. 124 do Código Tributário Nacional - CTN estabelece as hipóteses em que o débito tributário pode ser exigido de pessoa diversa do sujeito passivo originário (Art. 124. São solidariamente obrigadas: I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II- as pessoas expressamente designadas por lei. Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.).
A Lei nº 8.212/91, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social, traz expressa previsão acerca da responsabilidade solidária entre empresas que fazem parte de um mesmo grupo econômico relativamente aos débitos previdenciários (Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas: IX - as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta Lei...).
Como regra geral, a responsabilidade tributária, nos termos do art. 124, I, atinge as pessoas jurídicas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal.
A jurisprudência dos Tribunais admite, sem muitas controvérsias, a responsabilidade solidária no caso de formação de grupo econômico (de fato ou de direito) com intuito de fraudar o Fisco.
Questão que demanda maior cuidado é quando os controladores do grupo econômico em dificuldade passam a controlar uma outra pessoa jurídica, constituída para receber patrimônio do referido grupo (ou dos sócios), subtraindo-o da incidência da responsabilização.
A grande maioria dos casos tratados pela jurisprudência não alcançam as pessoas jurídicas integrantes do grupo econômico e constituídas em data posterior ao fato gerador do crédito tributário que se busca garantir. A responsabilidade fica limitada àquelas pessoas jurídicas que possam ser diretamente vinculadas ao fato gerador, mais especificamente, àquelas que já participavam do grupo econômico à época deste fato (art. 124, I, do CTN).
No entanto, tem-se mostrado prática recorrente grupos econômicos de fato que realizam divisão societária de empresas, apenas sob aspecto formal, para constituição de uma “unidade econômica ou profissional”, caracterizada pelo interesse comum dos respectivos integrantes em proteger o patrimônio.
Para resolver essa questão, o instrumento jurídico viável para alcance do patrimônio de tais empresas, bem como de seus respectivos sócios e administradores, é também a aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, bem como os institutos do abuso de direito e fraude à lei (conforme comentados no artigo anterior).
A constituição de empresas, no âmbito do mesmo grupo econômico de fato, com o espúrio objetivo de salvaguardar bens e valores decorrentes de inadimplência e sonegação fiscal, é razão suficiente para afastar a personalidade jurídica de tais empresas, permitindo que a venda desses bens e a apropriação desses valores possam responder pelas dívidas dos sócios e administradores efetivamente responsabilizados.
Como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “A desconsideração da pessoa jurídica, mesmo no caso de grupo econômicos, deve ser reconhecida em situações excepcionais, onde se visualiza a confusão de patrimônio, fraudes, abuso de direito e má-fé com prejuízo a credores. No caso sub judice, impedir a desconsideração da personalidade jurídica da agravante implicaria em possível fraude aos credores. Separação societária, de índole apenas formal, legitima a irradiação dos efeitos ao patrimônio da agravante com vistas a garantir a execução fiscal da empresa que se encontra sob o controle de mesmo grupo econômico” (Acórdão a quo). 4. (...) Impedir a desconsideração da personalidade jurídica nesta hipótese implicaria prestigiar a fraude à lei ou contra credores. (STJ, 1a. Turma, REsp 767021/RJ, Relator Ministro José Delgado, j. 16/08/2005, DJ 12/09/2005, p. 258)
Ainda que o remédio amargo da desconsideração da pessoa jurídica seja aplicado em situações excepcionais, o sistema jurídico não pode ficar a mercê de estratagemas de devedores fiscais. Cabe ao intérprete e ao aplicador da lei tributária impedir que a lei impositiva seja fraudada por expedientes formais. A forma como o Poder Público reage às investidas contra a higidez de seu ordenamento jurídico diz muito sobre a seriedade do país e de suas instituições.
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*Anderson Furlan, juiz federal, especialista, mestre e doutorando em Ciências Jurídico-Econômicas pela Faculdade de Direito de Lisboa, autor das obras Direito Ambiental (Ed. Forense) e Planejamento Fiscal (Ed. Forense), além de outros livros e artigos publicados no Brasil e no exterior. Foi presidente da Associação Paranaense dos Juízes Federais - APAJUFE (2010-2012; 2014-2016). Escreve quinzenalmente para o Justiça & Direito.
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