“Pensar globalmente, agir localmente” é uma daquelas expressões que caem em domínio público sem as pessoas se preocuparem em saber sua origem e significado. Sua formulação deve-se ao sociólogo alemão Ulrich Beck, que se dispôs a refletir sobre o fenômeno da globalização. Essa expressão é usada em diversos contextos, do ambiental ao comercial; do marketing ao industrial. Em qualquer contexto, o significado é sempre o mesmo: cada um tem que fazer sua parte.
O inverso dessa expressão, por outro lado, pode ser sintetizada como “pensar localmente, decidir globalmente”. E serve para resumir bem toda a controvérsia gerada pela última decisão de se suspender a atividade do aplicativo WhatsApp em todo o território nacional.
O WhatsApp é um aplicativo multiplataforma que permite a troca de mensagens de texto instantâneas entre os usuários. Permite ainda envio de áudios, imagens, vídeos e chamadas de voz. Com cerca de 1 bilhão de usuários ativos, todos os dias são trocadas cerca de 60 bilhões de mensagens.
Em 25.02.2015, o juiz da Central de Inquéritos de Teresina/PI havia determinado a interrupção das atividades do WhatsApp por 24 horas, em todo território nacional. Em 16.12.2015, o juiz da 1ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo/SP determinou o bloqueio do serviço de mensagens instantâneas do Whatsapp em todo o país, por 48 horas. Mais recentemente, em 26.04.2016, o juiz criminal da Comarca de Lagarto/SE, determinou as operadoras de telefonia móvel a bloquearem o serviço de troca de mensagens, em todo o país, por 72 horas. As empresas de telefonia, ameaçadas com a pena de multa em caso de desobediência da ordem judicial, cumpriram-na e o serviço foi suspenso por 24 horas, em todo território nacional, até a reforma da decisão por um desembargador do TJ/SE.
A suspensão do serviço de mensagens do WhatsApp certamente deixou muitas empresas felizes. Afinal, com a ressurreição do caríssimo SMS e o bloqueio de chamadas por voz, certamente as operadoras de telefonia tinham motivos para comemorar.
A suspensão do serviço de mensagens do WhatsApp certamente deixou muitas empresas felizes. Afinal, com a ressurreição do caríssimo SMS e o bloqueio de chamadas por voz, certamente as operadoras de telefonia tinham motivos para comemorar. Não assim se sentiram os milhares de brasileiros que foram momentaneamente privados de um meio de comunicação popular, gratuito e eficiente. Esses milhares de brasileiros, sejam os honestos, sejam os criminosos, inclusive aqueles sob investigação, tiveram que procurar outros aplicativos de mensagens entre os dezenas de aplicativos existentes para continuarem se comunicando.
A questão crucial no mérito de cada uma das decisões judiciais está na possibilidade ou impossibilidade de a empresa entregar ao Poder Judiciário mensagens que eventualmente foram enviadas por intermédio do aplicativo e que, em tese, poderiam servir para investigações criminais.
O grande problema, segundo alega a empresa proprietária do aplicativo, é que o conteúdo das mensagens trocadas entre os usuários não fica armazenado em seus servidores. Ademais, as mensagens são enviadas protegidas por uma criptografia denominada “end to end”, ou seja, as mensagens saem codificadas do aparelho emitente e apenas são decodificadas quando chegam ao aparelho recebedor. No breve intervalo que a mensagem passa pelo servidor da empresa, antes de ser recebida pelo outro aparelho, ela se encontra criptografada.
Fica então a questão de como se obrigar uma empresa a entregar dados que ela não possui e, no caso de possuir (no breve intervalo de passagem pelo servidor, antes de ser recebida pelo outro aparelho), entregar dados criptografados e sem serventia à investigação?
Ao contrário do que sustentam alguns, a lei brasileira (Lei nº 12.965) apenas obriga as empresas a manterem os registros de acesso ou de conexão, não as obrigando a armazenar trilhões de bytes relativos ao conteúdo das bilhões de mensagens enviadas. Pela lei, a empresa tem a obrigação de dizer quando determinado número acessou o serviço, mas nunca exibir ou entregar as mensagens que esse número enviou.
A população dos Estados Unidos recentemente (fevereiro de 2016) assistiu a uma disputa judicial entre a Apple e o FBI, envolvendo a necessidade desse órgão policial ter acesso aos códigos de acesso do iPhone de um terrorista. Levado o caso ao Juiz Federal James Orenstein, de Nova Iorque, este decidiu que a pretensão do Departamento de Justiça e do FBI, caso fosse adiante, iria longe demais e levaria a implicações manifestamente absurdas e inadmissíveis, razão pela qual indeferiu o pedido e manteve o direito da Apple em não fornecer seus códigos de segurança.
Nos Estados Unidos, o precedente judicial foi no sentido de se pensar globalmente e decidir localmente, com vista nas implicações futuras da decisão. No Brasil, os precedentes são no sentido de se pensar localmente, no caso concreto, decidindo-se globalmente - ou pelo menos em todo território nacional.
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