O jornalismo é uma atividade que me encanta. Sempre gostei dos bons textos, dos jornalistas sérios, daqueles capazes de captar, nas entrevistas, de modo fiel, o pensamento do entrevistado. No Paraná, entre tantos bons jornalistas, aparece o nome do professor Aroldo Murá. Homem erudito e competente constrói um texto informativo e, sempre, delicioso. Na última semana, fui surpreendido com pedido de entrevista a propósito da redução da maioridade penal feito pelo ilustre professor, questão bastante discutida no momento e objeto de iniciativas legislativas em trâmite no Congresso Nacional. Penso ser útil retomar o tema para sintetizar, mais uma vez, o meu pensamento a propósito da matéria.

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Eu, particularmente, sou contra a iniciativa. Parece claro que o Congresso Nacional, para adotar medida de tal natureza, deveria proceder, antes, a estudos bastante aprofundados, providenciando, inclusive, ainda mais ampla e demorada discussão. A gravidade do tema recomenda cautela. Além disso, embora exista alguma polêmica a propósito da vedação da redução da maioridade penal diante da natureza de cláusula pétrea da disposição constitucional que cuida do assunto, a racionalidade constitucional aponta no sentido de que não se deve jamais, em matéria de direitos fundamentais, adotar medida grave quando outra menos drástica seja capaz de alcançar análogo resultado. É o que acontece no presente caso.

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Os inconvenientes da redução são tão graves, implicando custos para a sociedade, para as famílias, para o Estado e para os próprios jovens, que acabam por anular qualquer suposto benefício. Ora, os jovens estão em processo de formação, exigindo medidas adequadas nas circunstâncias de prática de atos infracionais. Se todos, como lembra o Presidente Obama, merecem uma segunda chance, merecem mais ainda os jovens e adolescentes. Espero, portanto, que o Senado seja capaz de verificar isso de perto, rejeitando a Proposta de Emenda Constitucional que, cuidando do assunto, foi aprovada na Câmara dos Deputados.

Eu estou ciente de que a ampla maioria da sociedade se diz favorável à redução. Mas o que quer, verdadeiramente, a sociedade? Ora, o Congresso Nacional, particularmente a Câmara dos Deputados, está, parece-me, fazendo uma leitura equivocada dos apelos da sociedade. O que a sociedade quer é segurança pública e o fim da impunidade. E isso não será resolvido com a redução da maioridade penal.

Experimenta-se, no país, uma sensação de insegurança que decorre, basicamente, da impunidade. Os números são eloquentes. Apenas uma diminuta parcela de casos criminais é solucionada todos os anos. A maioria dos homicídios, por exemplo, permanece com autoria desconhecida. Nossas práticas investigatórias nem sempre são eficientes. Não necessitamos de mais polícia, mas de melhor polícia. E olha que, mesmo com um pequeno número de investigações concluídas de modo satisfatório, temos a terceira maior população encarcerada do mundo. Cerca de seiscentos mil brasileiros estão, hoje, na prisão (seja provisória ou em fase de execução de pena). É verdade que os atos infracionais praticados por crianças e adolescentes compõem um universo estatístico bastante mais modesto. Mesmo assim, temos estatísticas capazes de trazer preocupação para a população que, portanto, precisa ser ouvida, já que o seu sentimento é verdadeiro. Incumbe, todavia, aos representantes do povo operar o devido filtro, apresentando as soluções pertinentes aos pleitos da sociedade.

Em relação aos adultos, a comunidade jurídica brasileira tem chamado a atenção para o fato de que, quanto aos delitos menos graves, a política de encarceramento não é a mais adequada. Neste momento, por exemplo, nos Estados Unidos, país que ostenta a maior população carcerária do planeta, o Presidente Obama chama a atenção para o mesmo fato. Entre nós, quanto às crianças e aos adolescentes, ao lado de todas as políticas inclusivas de acesso aos bens culturais, educacionais, etc. devemos aperfeiçoar o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.

O ECA, verdadeira conquista da sociedade brasileira, normativa protetora da juventude, está a completar, neste ano, vinte e cinco anos de existência. A efeméride desafia comemoração. Trata-se de uma lei extraordinária, que deve ser acatada, respeitada e aplicada. Está a reclamar, entretanto, agora vemos, aperfeiçoamento, particularmente no que se refere às medidas aplicadas nos casos de prática de atos infracionais. O tempo máximo de internação, hoje, é de três anos para todos os atos. Isso limita a possibilidade de concretizar a ideia constitucional de proporcionalidade na aplicação das medidas consequentes. Há, sabemos, atos cuja gravidade só pode ser enfrentada com a aplicação de medidas sócio-educativas mais rigorosas.

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O melhor caminho, portanto, respondendo ao chamado da sociedade, é elastecer o tempo de internação para os atos mais graves, hediondos por exemplo, de três para até oito ou, quem sabe, dez anos, mantido o ECA íntegro em todas as demais dimensões. Essa reforma não exige mexer na Constituição, bastando, como afirmado, a simples adequação da lei, prevendo, também, a separação dos internos que, respondendo pela prática de ato infracional, tenham alcançado idade mais avançada. Aliás, o Senado acaba de aprovar proposta nesse sentido. A matéria, agora, segue para a Câmara dos Deputados. Espero que a racionalidade prevaleça e que o Congresso Nacional, ao fim e ao cabo, trilhe este caminho, deixando de lado a má ideia da redução da maioridade penal.

É claro que a medida, embora adequada, é insuficiente. O sentimento de desamparo da população no domínio da segurança pública exige a adoção de muitas outras providências. A melhoria da qualidade da investigação dos crimes, por exemplo, supondo rigorosa qualificação de nossas polícias, cujo efeito psicológico será inestimável, além da concretização de políticas públicas, muitas delas já existentes, embora não suficientemente implementadas, nos campos da educação, saúde, habitação, cultura, lazer, etc. Constitui, entretanto, um passo adiante no bom caminho.

Os melhores estudos têm demonstrado que a criminalidade não se desenvolve nos ambientes de pobreza, mas sim naqueles onde prosperam a exclusão e a dramática desigualdade social. Ora, a desigualdade extrema e a exclusão são sempre inaceitáveis do ponto de vista moral. São, além disso, disfuncionais, do ponto de vista do adequado funcionamento da vida em sociedade. Nesses contextos de falta de perspectiva, quando parcelas da sociedade estão imunes ao mesmo sentimento, prosperam a violência e a tragédia. A resposta ao problema reclama, antes de tudo, a adoção de políticas de inclusão social e de reeducação, sabemos, mas, também, lamentavelmente punição, sempre proporcional e respeitada a dignidade da pessoa humana.

*Clèmerson Merlin Clève: professor Titular Doutor de Direito Constitucional nas Faculdades de Direito do UniBrasil e da UFPR. Escreve mensalmente para o Justiça & Direito.

** As opiniões expressas nas colunas apresentam o ponto de vista de seus autores e não refletem o posicionamento do caderno Justiça & Direito, nem do jornal Gazeta do Povo

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