A Corregedoria-Geral da Justiça do Paraná, irá implantar a partir do dia 31 deste mês em nossa capital, a audiência de custódia. Trata-se de oportuna e relevante iniciativa do titular desse órgão, o Desembargador Eugênio Achille Grandinetti, cuja experiência na carreira, sensibilidade administrativa e condição humana o recomendam nesse projeto que tem o desafio de atravessar o Rubicão da indiferença e do preconceito que envolvem a saga dos indiciados pobres que são presos em flagrante delito.
O evento merece saudação especial da comunidade forense relacionada às áreas de Direito Penal e Processual Penal, além de setores oficiais e organizações não governamentais preocupadas com a defesa dos Direitos Humanos, além das autoridades e agentes da segurança pública. Uma das garantias individuais, classificada em nossa Constituição entre os direitos fundamentais, ou seja, o controle jurisdicional efetivo e rápido sobre a legalidade da prisão, a audiência de custódia satisfaz outros objetivos essenciais para a boa administração da Justiça criminal, com benéfica repercussão social. Entre eles está a desocupação das Delegacias de Polícia que, indevidamente, mantêm indiciados suspeitos de crimes por força da prisão em flagrante, em manifesto prejuízo para as atividades normais de investigação, detenção e realização de inquéritos, procurando transformar agentes de polícia e demais funcionários em improvisados guardas de presídio. As rebeliões e as fugas que frequentemente se tornam conhecidas pelos meios de comunicação afetam não somente o conceito da administração pública como também, e principalmente, o interesse público quando a fuga de presos e a violência empregada para manter a liberdade nas ruas constituem perigo real para todo e qualquer cidadão que involuntariamente se coloque como obstáculo à liberdade ilegalmente praticada.
O jornal “O Estado de São Paulo”, na edição de 5 de março deste ano, informou que o Tribunal de Justiça de São Paulo implantou em caráter experimental, no fórum criminal da Barra Funda, um projeto que obriga os distritos policiais da capital a apresentar os presos em flagrante a um juiz para a realização de uma audiência de custódia, no prazo máximo de 24 horas. No primeiro dia da experiência, realizada com presos encaminhados por duas seccionais, foram realizadas 25 audiências que resultaram na liberação de 17 pessoas. O Tribunal destacou dez juízes do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária para participar dos atos e a Defensoria Pública indicou 7 defensores. Diz ainda o Estadão que “se tudo der certo, a Corregedoria-Geral da Justiça pretende implantar a audiência de custódia em caráter definitivo em todo o Estado”.
O objetivo da audiência de custódia é analisar a legalidade das prisões em flagrante. Frente ao suspeito, o magistrado irá decidir se é necessário converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, se a detenção pode ser relaxada, ou se o preso pode ser liberado provisoriamente com ou sem medidas cautelares. Nessa oportunidade, além de ouvir o preso e o seu advogado ou defensor público e, na minha opinião, também o Ministério Público, o magistrado pode se informar sobre os seus antecedentes com a leitura da respectiva folha.
Apesar de resistências na capital paulista do Ministério Público e da corporação policial, a iniciativa na cidade de Curitiba precisa ir em frente para realizar dois grandes objetivos: o cumprimento de princípios e regras constitucionais e a segurança dos cidadãos. Para tanto não faltam disposições legais expressas, a começar pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (Paris, 1948). Artigo X. “Todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”. A Constituição brasileira estabelece: Art. 5º, LXXVIII (78º) - “ a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” • A razoável duração do processo ••CF, art. 5º LXII (62º) “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada” •• CF, art. LXV (65º) “A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”.
De extraordinária importância humana, jurídica e social é também a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica) de 22 de novembro de 1969, da qual o Brasil faz parte conforme o Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. O art. 8º que indica as garantias judiciais, declara: “1. Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 2. (...); 3.(...); 4.(...)”.
Ninguém melhor para falar sobre a experiência já praticada em São Paulo que o sensível e renomado Presidente da Corte paulista, o Desembargador José Renato Nalini: “A ideia é polêmica, porque inova e toda mudança traumatiza. Mas a sua inspiração é a mais saudável. Precisamos recordar que a prisão não é o único remédio para a delinquência. Na verdade, não é o remédio. É um mal reconhecido. Se há pessoas que, infelizmente, devem ser segregadas do convívio, outras há que não podem ingressar no sistema carcerário. Serão contaminadas, sairão revoltadas, serão feras feridas com vontade de se vingar de tudo e de todos. É preciso acreditar que o ser humano seja recuperável. Sem esta crença, o melhor seria instituir a pena de morte. Por que gastar com alguém que não tem remédio? Mais do que isso, a sociedade precisa enfrentar as causas da criminalidade, não seus efeitos. Por que as crianças e jovens começam a praticar infrações cada vez mais cedo? Quem está falhando? Não seríamos todos nós?”.
* René Ariel Dotti: Advogado; Professor Titular Direito Penal; Vice-Presidente Honorário da AIDP; Comenda do Mérito Judiciário do Paraná; Medalha Mérito Legislativo da Câm. dos Deputados (2007); Corredator do projeto da nova parte geral do CP e da Lei de Execução Penal (Leis 7.209 7.210/84; Membro de comissões de Ref. do Sist. Penal criadas Min. da Justiça (1979 a 2000); Diploma da OAB, Câmara dos Deputados e Comissão da Verdade (1964-1985) Secretário Secretaria de Cultura do Paraná (1987-1991).
** As opiniões expressas nas colunas apresentam o ponto de vista de seus autores e não refletem o posicionamento do caderno Justiça & Direito, nem do jornal Gazeta do Povo.
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