1.Introdução
Um dos relevantes mecanismos constitucionais para controle dos atos públicos ou de interesse público nos regimes democráticos é a Ação Popular que tem o objetivo de anular ou declarar nulos os atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas e outras pessoas jurídicas subvencionadas pelos cofres públicos. Qualquer cidadão é parte legítima para propor a ação e o seu diploma de regência é a Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965.
2.Referência histórica
Com exceção das constituições de 1891 e de 1937, a Ação Popular foi prevista nas demais Cartas Políticas Brasileiras, ou sejam, 1946, 1967, 1969 e 1988. A Constituição do Império (1824) dispunha: “Art. 156. Todos os Juizes de Direito, e os Officiaes de Justiça são responsaveis pelos abusos de poder, e prevaricações, que commetterem no exercicio de seus Empregos; esta responsabilidade se fará effectiva por Lei regulamentar. Art. 157. Por suborno, peita, peculato, e concussão haverá contra elles acção popular, que poderá ser intentada dentro de anno, e dia pelo proprio queixoso, ou por qualquer do povo, guardada a ordem do Processo estabelecida na Lei” (Foi mantida a ortografia original).”Já no período republicano, a Constituição de 1934 estabeleceu no § 38 do art. 113 (direitos e garantias): “Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios.” Redação semelhante constou na Constituição de 1946. A Constituição de 1967, concebida pelos militares manteve a previsão da Ação Popular, inclusive após a Emenda nº 1, de 17.10. 1969, como se verifica pelo § 31 do art. 153 (direitos e garantias): “Qualquer cidadão será parte legítima para propor ação popular que vise a anular atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas”. Aliás, durante o regime de exceção foi editada a lei que até os dias atuais rege a ação popular: a Lei nº 4.717, de 29.06.1965, posteriormente alterada pelas Leis n° 6.014, de 1973 e 6.513, de 1977.
3.O texto constitucional vigente
Incorporando o espírito do novel Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal de 1988 ampliou as hipóteses de cabimento da Ação Popular, como se verifica pelo inciso LXXIII (73º) do art. 5º - “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;”
4.Cabimento
Consoante o magistério do mestre Meirelles, “Como meio preventivo de lesão ao patrimônio público, a ação popular poderá se ajuizada antes da consumação dos efeitos lesivos do ato; como meio repressivo, poderá ser proposta depois da lesão, para reparação do dano. Esse entendimento deflui do próprio texto constitucional, que a torna cabível contra atos lesivos do patrimônio público, sem indicar o momento de sua propositura.” [1]
Na obra acima citada o Professor Hely menciona que “Os Tribunais têm admitido a ação popular como adequada para a anulação de resoluções de Câmaras Municipais que concedem ilegalmente remuneração a vereadores (STF, RDA 73/290; TJSP, RDA 58/166, 269/214, 280/175); para invalidar elevação de subsídios de Prefeito durante a legislatura (RJSP, RT 264/483, 270/428, 273/436; TASP, RT 232/398, 237/447, 289/704); para anular venda ilegal de bem público (TJSP, RDA 46/215, 55/165, RT 250/159, 277/270); para anular isenção fiscal concedida ilegalmente (TJSP, RDA 69/241, RT 313/178, 328/163); para anular verba pessoal de Deputados (TJSP, RDA 99/227); para anular autorização para extração de madeira em floresta protetora (TJSP, RDA 110/257; TJMG, RT 437/195); para anular criação de Secretaria Municipal contra a Lei Orgânica dos Municípios (TJSP, RDA 114/289); para anular doação de bem público (STF, RTJ 71/497); para anular criação de cargo sem iniciativa do Executivo (STF, RDA 128/550).”
No Paraná, a ação popular impediu a prática de ato lesivo ao Parque Estadual de Vila Velha, formação geológica única em todo o Planeta. Com efeito, ao apreciar a ação proposta em face do Estado e da Paranatur – Empresa Paranaense de Turismo, o Tribunal de Justiça [3], confirmando a decisão proferida em primeiro grau, determinou não apenas a erradicação de obras executadas no interior do aludido parque, mas também a restauração do seu caráter primitivo.
Destaque-se, ademais, que a ação popular é admitida para anulação de ato lesivo à moralidade administrativa (bem imaterial), portanto, ainda que não haja prejuízo monetário para a administração.
Entretanto, é importante salientar que a ação popular é cabível contra atos e leis de efeitos concretos, não se a admitindo contra leis em tese, assim conceituados pelo Supremo Tribunal Federal “os preceitos estatais qualificados em função do tríplice atributo da generalidade, impessoalidade e abstração” [4]. Isto porque, nessa hipótese, a ação popular atuaria como um substituto da ação direta de inconstitucionalidade, caracterizando ofensa à Constituição Federal que, no art. 103, previu um rol restrito de legitimados para a provocação do controle concentrado de constitucionalidade.
5.Legitimidade
Conforme o preceito acima, “qualquer cidadão” detém legitimidade ativa para propor a Ação Popular. Nos termos do art. 1°, §3°, da Lei n° 4.717/65, “A prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda”. Ademais, encontra-se sedimentado o entendimento jurisprudencial de que “Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular” (Súmula 365 do STF).
A Lei n° 4.717/65 admite o litisconsórcio ativo e a assistência, dispondo que “É facultado a qualquer cidadão habilitar-se como litisconsorte ou assistente do autor da ação popular” (art. 6°, § 5º).
A legitimidade para figurar no pólo passivo da ação é bastante ampla. Segundo o art. 6° da Lei n° 4.717/65, “A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.”
Há, todavia, uma peculiaridade. A pessoa jurídica lesada, inicialmente citada como ré, poderá aderir ao pólo ativo: “Art. 6°, § 3º “A pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente” (Lei n° 4.717/65). Isto ocorre que porque em certas situações a pessoa jurídica, assim como os cidadãos, também é vítima do ato lesivo, não sendo razoável obrigá-la a permanecer no pólo passivo defendendo a legalidade de um ato que a prejudicou.
A intervenção do Ministério Público é obrigatória: “Art. 6°, § 4º “O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores” (Lei n° 4.717/65).
Inclusive, “Se o autor desistir da ação ou der motiva (sic) à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação” (art. 9° da Lei n° 4.717/65).
6.Competência e prazo para contestar
Diversamente do que ocorre, por exemplo, com o Mandado de Segurança e com as ações penais, não há prerrogativa de foro na Ação Popular. Ela deve ser proposta em primeira instância mesmo contra ato do Presidente da República.
A exceção é o art. 102, I, n, da Constituição Federal, que institui a competência originária do Supremo Tribunal Federal para o julgamento da “ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados”.
Uma peculiaridade é o prazo para contestar que, nas demais ações, é de 15 (quinze) dias, nos termos do art. 297 do Código de Processo Civil. Na ação popular “O prazo de contestação é de 20 (vinte) dias, prorrogáveis por mais 20 (vinte), a requerimento do interessado, se particularmente difícil a produção de prova documental, e será comum a todos os interessados, correndo da entrega em cartório do mandado cumprido, ou, quando for o caso, do decurso do prazo assinado em edital.” (Art. 7°, IV, da Lei n° 4.717/65).
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