A campanha que atacava os direitos dos deficientes para, na verdade, dar visibilidade a eles despertou debate sobre possíveis implicações jurídicas que uma iniciativa como essas pode ter. Mesmo tendo sido revelado que o objetivo seria fazer uma provocação, ainda há muitos questionamentos sobre a iniciativa e suas consequências jurídicas.
Norma publicitária é voltada para relações de consumo
Uma norma citada por alguns críticos à campanha pelos direitos dos deficientes é o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que em seu artigo 48 determina que “Um anúncio enganador não pode ser defendido com base no fato de o Anunciante, ou alguém agindo por ele, ter posteriormente fornecido ao Consumidor as informações corretas”.
O advogado Egon Bockmann Moreira observa que essa norma se refere às relações de consumo. Além disso, o órgão que tem condições para avaliar se deve ser adotada alguma relativa a questão da publicidade é o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar).
O conselho foi consultado pela reportagem e preferiu não se posicionar sobre o conteúdo da publicidade feita e Curitiba, apenas informou que ainda não recebeu nenhuma denúncia sobre esse fato.
Durante a coletiva na última terça-feira (1), a presidente do o Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Curitiba, Mirella Prosdócimo, afirmou que antes de se realizar a campanha foi feita uma consulta jurídica para verificar se não haveria nenhuma consequência jurídica para a ação e, segundo ela, não haveria.
Para Sérgio Guerra, professor de Direito da FGV-RIO, a repercussão que a primeira fase da campanha causou “já está posta”, não é possível voltar atrás. Por isso, algum grupo que se sentiu atingido poderia mover uma ação coletiva para que houvesse um termo de ajustamento de conduta ou até mesmo pagamento de multa. Segundo ele, o MP poderia, por exemplo, exigir que a nova fase da campanha tomasse medidas para que fosse garantida tanta repercussão quanto a primeira.
Segundo a assessoria do MP-PR, ainda não houve nenhuma solicitação para que o MP acionasse judicialmente os responsáveis pela campanha.
Egon Bockmann Moreira, professor da Universidade Federal do Paraná, avalia que órgãos de defesa coletiva poderiam se mobilizar, mas parece haver pouca consistência nisso. “Não me parece que esse exagero possa gerar repercussão jurídica em sentido estrito, já que a campanha não ofendia alguém especificamente, mas só chamava atenção para a prática indevida”, observa o advogado. Ele também reconhece que é muito difícil mensurar o sofrimento causado, “pois só quem só quem experimenta as agruras [da deficiência] sabe o que é”.
Campanha da ‘prefs’ apenas começou a discussão, dizem entidades
A campanha da Prefeitura Municipal de Curitiba para chamar a atenção para os direitos da pessoa com deficiência gerou polêmica não só nas redes sociais, mas entre as entidades que representam deficientes e a sociedade civil. Na segunda-feira (30/11), a cidade amanheceu com um outdoor que pedia o fim de privilégios para pessoas com deficiência.
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Além da legalidade da campanha pelos direitos dos deficientes, está em jogo a moralidade. “Não há ilegalidade. Não é uma questão de direito, mas moral”, avalia o professor de Direito Administrativo da Unicuritiba, Diogo Busse.
Ele observa que essa polêmica chama atenção para uma situação que é bem típica do direito contemporâneo: o hábito de procurar resolver os problemas cada vez mais pela via judicial, como se ali estivesse a solução de tudo. “Foi de mau gosto, não quer dizer que deva ser judicializado e que a solução encontra-se no Poder Judiciário”, diz Busse.
Para o professor ainda é cedo para haver uma definição sobre o assunto, que se mantém no calor das discussões, e é importante que o debate aconteça e permaneça onde está, ou seja, na sociedade.