O ano de 2016 foi o mais trabalhoso para a força-tarefa de Curitiba que conduz as investigações da Lava Jato, desde a deflagração da operação em março de 2014. Além de mais fases e mais prisões em 2016, a operação ainda teve que administrar grandes polêmicas e atuar politicamente no Congresso Nacional para garantir a aprovação das medidas anticorrupção e para impedir o avanço de pautas como o projeto de lei de abuso de autoridade – considerado prejudicial às investigações em curso.
Enquanto em 2015 foram deflagradas 14 fases, neste ano foram 17 – e com mais prisões. E não foi só a Polícia Federal (PF) que trabalhou mais em 2016. O número de denúncias oferecidas pelo Ministério Público Federal (STF) ao juiz federal Sergio Moro também cresceu. Subiu de nove em 2015 para 17 em 2016.
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Leia a matéria completaO próprio andamento das investigações acabou ficando cada vez mais complexo. Em 2014, quando foi deflagrada, a Lava Jato investigava um pequeno grupo de doleiros acusados de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Dois anos depois, em 2016, a força-tarefa tinha nas mãos um complexo esquema de corrupção em órgãos estatais, como a Petrobras.
Entre as fases mais complexas está a Xepa – 26.ª fase da Lava Jato, deflagrada em março –, na qual os investigadores descobriram o Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, departamento exclusivamente criado para o pagamento de propina por obras tocadas pela empreiteira no governo federal e em alguns governos estaduais. No final do ano, a força-tarefa ainda participou de uma grande mobilização da Procuradoria-Geral da República (PGR) para colher os depoimentos dos 77 executivos da empreiteira que firmaram acordo delação premiada.
O objetivo - que foi cumprido - era enviar o material para análise do Supremo Tribunal Federal (STF) antes do recesso de final de ano. A homologação deve ficar para o ano que vem. Os procuradores também trabalharam na negociação dos acordos de leniência da Odebrecht e da Braskem.
Polêmicas
Não faltaram polêmicas para serem administradas pela força-tarefa da Lava Jato em 2016. A maior envolveu as investigações contra o ex-presidente Lula. Já em março, quando a PF deflagrou a Operação Aletheia e cumpriu um mandado de condução coercitiva contra o ex-presidente, as polêmicas começaram. Os advogados alegam que Lula não poderia ser alvo do mandado porque não havia sido intimado oficialmente a depor no processo até aquele momento.
Dias depois, o juiz Sergio Moro levantou o sigilo dos grampos telefônicos contra o ex-presidente e os áudios foram divulgados pela imprensa. O episódio também rendeu críticas – desta vez direcionadas ao magistrado – em relação à legalidade das interceptações e à divulgação das conversas. A defesa alega que os grampos deveriam ser remetidos ao STF por envolver pessoas com prerrogativa de foro, como a então presidente da República Dilma Rousseff (PT). O STF, inclusive, deu um puxão de orelha no magistrado ao analisar a questão.
A primeira denúncia envolvendo o ex-presidente oferecida pelos procuradores em Curitiba também foi cercada de críticas. A força-tarefa concedeu uma entrevista coletiva de mais de uma hora de duração, relembrando o caso do mensalão e acusando Lula de chefiar um esquema de corrupção que transcende a Lava Jato, mas não o denunciou por organização criminosa – apenas por lavagem de dinheiro no caso do tríplex no Guarujá. A defesa de Lula criticou a atuação da força-tarefa, e alguns procuradores admitiram que podem ter errado na maneira como o assunto foi tratado na coletiva de imprensa.
Durante as audiências na Justiça Federal também houve confusão. Os advogados de Lula não deram trégua e discutiram diversas vezes com Moro, que chegou a perder a paciência e gritar com a defesa em uma das audiências.
Prisões
Em 2016 também houve mais figurões atrás das grades por participação no esquema de corrupção na Petrobras. O ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi preso logo após ter o mandato cassado pelos colegas por quebra de decoro parlamentar – destino semelhante ao do ex-deputado paranaense André Vargas (ex-PT), que foi preso em abril do ano passado, depois de ter o mandato cassado em dezembro de 2014 por envolvimento com o doleiro Alberto Youssef.
Os ex-ministros Guido Mantega e Antônio Palocci também integraram a lista de figurões que tiveram mandado de prisão expedido por Moro em 2016. Além deles, o ex-governador do Rio Sergio Cabral também foi preso na Lava Jato e chegou a passar um dia na carceragem da PF em Curitiba, até ser reenviado ao Rio por decisão judicial.
Em abril, a força-tarefa prendeu o ex-senador Gim Argello (PTB-DF), acusado de cobrar propina para não intimar empresários envolvidos na Lava Jato para deporem na CPMI da Petrobras no Congresso. O trabalho de investigação realizado em Curitiba acabou abrindo os horizontes para a única operação deflagrada em Brasília neste ano, que levou a PF a realizar buscas e apreensões em endereços relacionados ao deputado Marco Maia (PT-RS) e ao ministro do TCU Vital do Rêgo – ambos integrantes da mesma CPMI da Petrobras.
Política
O ano também foi movimentado para a força-tarefa no campo político. No MPF, o procurador Deltan Dallagnol encabeçou uma batalha pela aprovação das Dez Medidas Contra a Corrupção no Congresso. O projeto com propostas de alterações na legislação propostas pelo MPF reuniu mais de 2 milhões de assinaturas e foi enviado à Câmara como projeto de lei de iniciativa popular.
Depois de muita negociação com a Comissão Especial e viagens à Brasília para participar das discussões sobre o projeto, Dallagnol sofreu uma dura derrota quando a Câmara aprovou o pacote totalmente desfigurado. A força-tarefa da Lava Jato chegou a ameaçar deixar o caso se o texto da Câmara passasse pelo Senado. Mas a pressão não surtiu efeito. No mesmo dia, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tentou aprovar a tramitação do projeto em regime de urgência. Com a derrota de Renan no plenário e uma decisão do STF para que a tramitação do projeto recomece do zero na Câmara, as Dez Medidas – e os procuradores – ainda têm uma longa batalha pela frente no ano que vem.
O juiz Sergio Moro também teve sua dose de atuação política em 2016. O magistrado chegou a ir ao Senado para participar de uma audiência pública sobre o projeto de lei de abuso de autoridade em tramitação no Congresso – outro projeto considerado polêmico e perigoso pela Lava Jato. A discussão sobre o projeto também ficou para 2017.
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