O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, disse nesta sexta-feira (7) que as operações realizadas pela Polícia Federal (PF) são utilizadas como propaganda política, mas têm poucos resultados práticos em termos de combate à impunidade no País. Segundo ele, a lógica das operações inclui "espetacularização, vazamento de informações e prisões em massa". Antes de participar da sessão final do Simpósio Internacional de Direito Tributário, promovido pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS), na capital paulista, o ministro desafiou os jornalistas presentes ao evento a fazerem um balanço sobre os resultados das operações da PF.
"Os senhores têm um balanço, por exemplo, do resultado dessas operações? É um bom trabalho jornalístico. Foram feitas tantas operações, objeto até de propaganda política. 'No governo tal se realizaram tantas operações'. O que resultou disso? Quantos foram condenados? Quantos bens foram apreendidos e recolhidos aos cofres públicos? Depois de seis, sete anos de tantas operações era uma pergunta para se fazer. No fundo, acaba ficando, na verdade, a propaganda pela propaganda", afirmou.
O ministro disse que a premissa dessas operações era a exposição na mídia das pessoas que eram presas. "Depois se verificava, na prática, que se fazia denúncia contra alguns envolvidos, mas, em muitos casos, não se fez denúncia contra ninguém. Portanto, o devido processo legal sequer foi instaurado, mas essas pessoas já estavam, de qualquer forma, carimbadas, para todo o sempre, como envolvidas na dada operação. E isso era o processo. O inquérito ficava nisso para aqueles que eventualmente não fossem denunciados. Muitos eram absolvidos, mas isso não dá nem nota no jornal."
Gilmar Mendes destacou que o inquérito policial e a prisão preventiva são apenas parte de um processo bastante complexo. Na avaliação dele, o combate efetivo da impunidade não pode ser feito apenas a partir dessas operações, que muitas vezes acabam em si mesmas. Questionado se as operações da PF possuem um viés político, Mendes respondeu que não.
Para o ministro, a partir do momento em que essas operações se massificaram, o Judiciário foi desafiado, com o apoio da imprensa, que considerou essas operações uma nova forma de combate à impunidade. "Mas o combate à impunidade só se faz se ao fim e ao cabo se tem decisão com trânsito em julgado. Se fica apenas nessa operação, os senhores vão ter pessoas amedrontadas, atemorizadas, um super poder para a polícia, mas ao fim e ao cabo os senhores podem ter nenhum combate efetivo à impunidade." O ministro afirmou que o STF está contribuindo para combater a ilegalidade, mas "dentro dos marcos institucionais".
Ao se referir especificamente à Operação Satiagraha, que prendeu por duas vezes o sócio-fundador do Banco Opportunity, Daniel Dantas, Mendes citou que os habeas-corpus impetrados pela defesa pediam o acesso aos autos, o que na avaliação do STF é um direito elementar. "Mas a pessoa não conseguiu no TRF, não conseguiu no STJ e só foi conseguir no Supremo, depois de já decretada a prisão."
Nesse sentido, o ministro citou as declarações dadas ontem pelo ministro Eros Grau durante o julgamento do mérito dos habeas-corpus impetrados pela defesa de Dantas do STF, que confirmaram a liberdade, já dada em decisão liminar, que "não se combate ilegalidade cometendo ilegalidade". "Essa é a pergunta que nós sempre temos feito: é possível combater criminalidade e ilegalidade dentro dos marcos institucionais? Nós temos respondido que sim. É possível", afirmou. "Não há transações entre ilegalidade maior e ilegalidade menor. Aqui não há transação possível, nem ponderação suscetível de ser feita."
Descumprimento
Questionado sobre que avaliação fazia sobre a atuação do juiz da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, Fausto Martin De Sanctis, Mendes recusou-se a fazer considerações de índole pessoal, mas voltou a dizer que houve "claro descumprimento" da decisão do STF quando o juiz decretou o novo pedido de prisão horas depois de o STF ter concedido um habeas-corpus que libertou Dantas.
"O habeas-corpus foi concedido às 11h30 do dia 9. Em vez de a pessoa ser liberada imediatamente, ela só foi liberada às 5h30. Porque isso? Por varias razões, técnicas, etc. Mas é evidente que esses atos todos estavam sendo preparados. Essas pessoas foram liberadas e intimadas para ficar em São Paulo, tendo que depor naquele mesmo dia", afirmou.
"Às 14, 15 horas elas estavam presas, com despacho de dezena de páginas. Os senhores imaginam o quê? Que na madrugada isso foi feito. Os fatos já eram conhecidos, inclusive a discussão sobre corrupção já era conhecida. É razoável isso? Há algum sistema que vá subsistir dessa forma?", questionou.
Mendes disse que a Procuradoria Geral da República pode recorrer das decisões do Supremo, mas condenou o descumprimento das decisões do STF pela primeira instância da Justiça. "Descumprir decisão do Supremo é mais difícil, mas se algum juiz começar a engendrar essa forma de descumprir decisão, ele vai ter dificuldade de fazer cumprir suas próprias decisões junto ao delegado, ao policial. Imagine o juiz federal que tiver que cumprir um mandado no forte apache? Na verdade estamos criando o germe de um Estado anárquico."
Em seguida ele ironizou a decisão de De Sanctis. "Estava imbuído das melhores intenções porque de fato estava convencido de que 'vi Deus' e que a minha missão é prender as pessoas. Abrigue-se numa igreja, porque o Estado de Direito é para os homens."
Juiz, delegado e procurador
Ele criticou também a proximidade do relacionamento entre juiz, delegado e procurador. "O juiz na verdade controla esse processo. Ele não é sócio no inquérito, nem do delegado, nem do procurador, então é preciso que isso fique muito claro. O juiz é o órgão de controle para todos. Mesmo no inquérito ele se mantém o árbitro, o juiz. Quando ele diz assim 'Ah, mas isso ia prejudicar a investigação, por isso não dei acesso ao inquérito', de que lado ele está? Ele não pode ter lado", insistiu.
Ao ser questionado sobre a eventual quebra do sigilo telefônico de jornalistas que divulgaram informações da Operação Satiagraha na noite em que Dantas foi preso, o ministro afirmou que esse dado ainda não foi confirmado. "Se houver, mas aí estamos falando sobre uma hipótese, certamente isso será devidamente censurado pelo próprio Judiciário". Sobre as declarações de Protógenes, segundo as quais a Justiça ficará desacredita se Dantas não for condenado e preso, ele limitou-se a dizer: "Não discuto com delegado".
Questionado sobre o da 7ª Vara Federal, Ali Mazloum, que autorizou os mandados de busca e apreensão nos apartamentos do delegado da PF Protógenes Queiroz, que comandou a Operação Satiagraha, Mendes afirmou que não tinha informações sobre o caso.
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