Em cinco meses da gestão Michel Temer, os ministros utilizaram 781 vezes aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para realizar deslocamentos pelo país. Levantamento feito pela reportagem revela que em 238 casos (30,5% do total) titulares da Esplanada tiveram como destino ou origem a sua cidade de residência sem uma justificativa considerada adequada nas agendas oficiais divulgadas pela internet.
A conduta dos ministros configura, em princípio, desrespeito a duas normas legais. Primeiro, em abril de 2015, às vésperas de ser afastada do cargo e em meio ao esforço do governo de ajustar as contas, a então presidente Dilma Rousseff assinou o Decreto 8.432, que restringiu o uso de aeronaves pelos ministros e os proibiu de viajar de FAB para seus domicílios. Em segundo, uma lei de 2013 determina que ministros deverão divulgar “diariamente” na página eletrônica do ministério sua agenda de compromissos oficiais.
Só três
Dos 24 ministros, apenas três não deram margem para questionamentos da sua conduta em relação ao uso dos voos da FAB: o titular da Transparência (antiga CGU), Torquato Jardim; o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira; e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen. Os dados analisados compreendem o período de 12 de maio a 31 de outubro.
O cruzamento das viagens dos titulares do primeiro escalão com as respectivas agendas oficiais, realizado ao longo de três semanas, mostra que uma prática comum adotada por alguns ministros é cumprir agendas nas cidades de origem às sextas ou segundas-feiras, tendo, assim, a sua partida ou retorno para Brasília devidamente justificado à FAB.
O levantamento também localizou ministros que utilizam as aeronaves oficiais para voltar a Brasília na segunda-feira, após passar o fim de semana em casa, com a justificativa de que teriam compromissos cedo na capital federal e não haveria tempo hábil para chegar se usassem voos de carreira.
Informado sobre o levantamento realizado, o presidente da Comissão de Ética da Presidência da República, Mauro Menezes, disse que não poderia emitir juízo, mas que os números podem significar um “descumprimento oblíquo da norma”. “Se de fato a autoridade estiver utilizando como prática agendas para passar o fim de semana em casa, isso pode, sim, ser avaliado como um desvio, já que está vetado o uso do avião da FAB para esses deslocamentos”, afirmou. “Se houver uma denúncia, nós investigamos e podemos punir.”
Segurança
Procurados pela reportagem, os ministros negaram a prática de qualquer irregularidade e muitos argumentaram que solicitam a aeronave oficial por questões de segurança, o que é permitido também com base no decreto que disciplina o uso dos aviões oficiais. Confira todas as respostas dos ministros.
Conforme o levantamento, os ministros que mais utilizaram aviões da FAB para irem a sua cidade de residência sem divulgarem agendas com justificativa para os voos são os que moram em São Paulo, como Alexandre de Moraes, da Justiça; José Serra, das Relações Exteriores, e Gilberto Kassab, da Ciência e Tecnologia.
A FAB não divulga o valor dos gastos com voos oficiais sob a justificativa de que “o custo da hora de voo das aeronaves militares é informação estratégica e, por isso, protegida”. Um voo entre Brasília e São Paulo, com uma aeronave de modelo parecido com as utilizadas pela FAB, custa cerca de R$ 76 mil, conforme cotação numa empresa de táxi aéreo. O trajeto entre Brasília e Porto Alegre sairia por R$ 136 mil. E da capital para Salvador, R$ 143 mil.
Ministérios negam uso irregular de aeronaves
Os ministros do presidente Michel Temer negam que estejam usando indevidamente aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para viajarem para suas cidades de origem sem um motivo com amparo legal. Alguns argumentam que precisaram solicitar a aeronave por questões de segurança, o que é autorizado.
O campeão de voos sem justificativa para sua cidade de residência, Alexandre de Moraes (Justiça), disse que todas as suas viagens “obedeceram ao disposto nos decretos n.º 8.432, de 9 de abril de 2015, e n.º 4.244, de 22 de maio de 2002, sendo duas realizadas por segurança e as demais a serviço, todas atendendo a compromissos oficiais”. Moraes argumentou, ainda, que o alto número de voos realizados em cinco meses é explicado pelas atribuições da pasta.
O ministro das Relações Exteriores, José Serra, disse que suas viagens “aconteceram por motivos de segurança, por razões de serviço ou para atendimento médico, nos termos da legislação em vigor”. Serra, entretanto, não justificou a ausência de compromissos publicados na agenda.
O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, argumentou que seus deslocamentos aéreos “seguem rigorosamente os critérios fixados pela FAB e pelo governo federal”.
A assessoria do ministro também justificou às idas constantes a São Paulo porque o estado concentra a maior parte dos recursos destinados pela pasta. “A quantidade de institutos e o volume de recursos em investimento em São Paulo, por si só, exigem atenção e a presença mais efetiva do ministro.”
A assessoria do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, após procurada pela reportagem, enviou os compromissos que ele teve em São Paulo e que não constavam na agenda. Entre algumas agendas informadas para justificar os voos estão entrevistas a jornais e participação em seminários e reuniões.
Segurança
Ministros ligados ao Palácio do Planalto, Eliseu Padilha (Casa Civil) e Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) também disseram que não cometeram irregularidades e que o uso dos aviões encontra amparo legal. Interlocutores de Geddel afirmaram, ainda, que o ministro só passou a usar as aeronaves da FAB por segurança, após ser chamado de “golpista” durante um voo comercial em agosto.
O ministro da Saúde, Ricardo Barros, também afirmou na sua resposta que segue as normas vigentes. Ele destacou que no total fez 98 voos para cumprimento de agendas oficiais e que, além de usar a FAB 57 vezes, utilizou aviação comercial em 41% dos trechos.
Já o ministro das Cidades, Bruno Araújo, disse que seus deslocamentos “fazem parte de agendas previamente definidas, destinadas a compromissos oficiais da pasta, todas devidamente comunicadas e amplamente divulgadas, com registro na imprensa local”.
O ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Pereira, também enviou à reportagem uma lista de compromissos para justificar as suas agendas.
O Ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Filho, respondeu que todas as viagens “foram feitas visando atender agenda ministerial e atividades fins do cargo” e que elas seguiram as regras da FAB.
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