José Sarney (PMDB-AP) caminha pelo plenário vazio do Senado: arquivamento das denúncias contra o peemedebista no Conselho de Ética da Casa deve acirrar ainda mais o clima entre os senadores e atrasar a votação de projetos importantes| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Na primeira semana após a volta do recesso do meio de ano no Congresso Nacional, nenhum projeto de lei foi votado no Senado. Em vez disso, o clima entre senadores governistas e da oposição foi de troca de acusações, alavancadas pelas denúncias contra o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP). Ao que parece, esse deve ser o cenário em Brasília durante todo o segundo semestre: disputas político-partidárias em alta e votações de projetos importantes para o país deixadas em último plano. É o que admitem os três senadores paranaenses.

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"Muitas vezes, as matérias polêmicas são aprovadas em função de um clima de entendimento que se estabelece na Casa. Mas, em um clima de guerra, essa tarefa se torna quase impossível", afirma o senador Alvaro Dias (PSDB).

Durante a semana passada, acalorados bate-bocas evidenciaram a tensão que vive o Senado. Logo na primeira sessão do semestre, Pedro Simon (PMDB-RS) voltou a defender a saída de Sarney da presidência e, em troca, recebeu ataques de Renan Calheiros (PMDB-AL) e Fernando Collor (PTB-AL). Na quinta-feira, Renan mais uma vez se envolveu em polêmica, dessa vez com Tasso Jereissati (PSDB-CE), e houve troca de xingamentos, com direito a palavrões.

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Diante desse cenário explosivo – agravado pela CPI da Petrobras –, a aprovação de temas considerados cruciais pelo governo e pelos próprios parlamentares pode ficar fora de pauta. A reforma tributária, que tramita há um ano e meio na Câmara dos Deputados, não é unanimidade nem mesmo entre os deputados da base aliada e enfrenta grande resistência dos governadores, que temem perder arrecadação com a mudança. Se aprová-la na Câmara, onde o clima é mais cordial já é difícil neste ano, a sua apreciação no Senado é quase impossível neste ano.

Já a reforma política, tida como prioritária pelo presidente Lula, foi temporariamente abandonada e só deve voltar a ser discutida na próxima legislatura, em 2011, por falta de consenso quanto ao financiamento público de campanha e ao voto em lista fechada. Uma série de outros projetos também corre o risco de não serem apreciados neste ano, caso a crise não chegue ao fim (veja quadro ao lado).

"Não passou hoje pela cabeça de ninguém votar coisa alguma aqui. Por quê? Há várias coisas importantes para serem votadas. Mas como? Há clima para isso?", questionou o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), em discurso na última terça-feira.

Para Osmar Dias (PDT), os trabalhos do segundo semestre dependerão das decisões que o Conselho de Ética irá tomar sobre as denúncias contra Sarney – todas as 11 acusações foram arquivadas pelo presidente do colegiado, Paulo Duque (PMDB-RJ). A oposição, no entanto, já garantiu que irá recorrer e, dessa forma, os recursos para desarquivar os pedidos de investigação terão de ser votados pelo plenário do Conselho de Ética. "Vai haver recursos e isso pode complicar as votações. Aí, a confusão será inevitável", prevê Osmar. "Isso (a crise) está emperrando tudo e precisa acabar o quanto antes."

O dedo de Lula

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A interferência do presidente Lula nos assuntos do Legislativo é apontada pelos senadores do Paraná como um agravante ao caos do Congresso. No início da crise, Lula defendeu a permanência de Sarney na presidência da Casa, mas voltou atrás e disse que esse não era um problema dele. "O Lula ajudou a alimentar a crise. Ele é o grande responsável pela permanência do Sarney, que estava pronto para renunciar quanto ele entrou no assunto", afirma Alvaro Dias. "Hoje, ele recuou um pouco, mas não fica contra o PMDB, porque precisa da maioria no Con­­gresso, que é muito importante também na CPI da Petrobras."

Até mesmo o senador petista Flavio Arns critica a atuação de Lula no caso Sarney. "Isso envergonha a sociedade. Não tem o menor cabimento. Essa atitude vem in­­fluindo decisivamente para a con­­tinuidade da crise", argumenta.

Na opinião do cientista político Carlos Luiz Strapazzon, do Centro Universitário Curitiba, o ano pré-eleitoral favorece que esse clima de guerra no Congresso. Para ele, a onda de denúncias contra Sarney deve comprometer os trabalhos parlamentares. "Ninguém tem bola cristal, mas estou com muitos maus presságios. O Congresso está entrando em um caminho bem tradicional, de CPIs e investigações", alerta Strapazzon. "Tenho uma visão pessimista de que entraremos num semestre recheado de acusações, fatos típicos de não envolvimento do Congresso com os grandes temas de desenvolvimento do país."

Medidas provisórias

Além da crise política, que paralisa as discussões legislativas, as medidas provisórias (MPs) enviadas ao Congresso pelo presidente Lula são outro motivo de lentidão na votação de projetos de lei. Como as MPs têm prioridade de tramitação, quase não sobra espaço para a discussão de uma agenda própria dos parlamentares .

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"O instrumento da MP é muito importante dentro da administração pública, mas desde que seja usado diante de uma real necessidade", afirma o senador Flavio Arns. "O que se observa, no entanto, é um total abuso. Precisamos de MPs em temas relevantes e urgentes, mas assuntos cotidianos passaram a ser objeto de medidas."

Osmar Dias também critica o excesso de MPs, mas defende que o Congresso precisa mudar a legislação sobre o assunto, para evitar a interferência do Palácio do Planalto no Legislativo.

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