Diante da possibilidade de a presidente Dilma Rousseff ser realmente cassada, senadores ligados ao governo estão trabalhando com a possibilidade de propor uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para que sejam realizadas novas eleições presidenciais em outubro. A medida até poderia ser viável juridicamente se tivesse respaldo político. Mas, no atual momento, isso parece ser pouco factível.
Cristovam Buarque (PPS-DF), um dos senadores que estão à frente da ideia, explica que essa não seria exatamente uma novidade e que já há diversas propostas nesse sentido. Ele mesmo é autor da PEC 160/2015, que propõe a criação do recall, que seria uma consulta popular sobre a revogação dos mandatos quando a população estiver insatisfeita.
Para a situação atual, Buarque considera que é preciso redigir um novo projeto e o mais importante: um grande acordo político para que a ideia vá adiante. “A continuação do governo Dilma é um desastre e com a substituição por Temer continua a instabilidade”, diz o senador, que é o único do grupo favorável ao impeachment.
Além de Buarque, estão à frente da iniciativa os senadores Randolfe Rodrigues (Rede), João Capiberibe (PSB-AP), Lídice da Mata (PSB-BA), Paulo Paim (PT-RS), e Walter Pinheiro (ex-PT-BA, agora sem partido).
Legalidade
Paulo Schier, professor de direito constitucional da Unibrasil, considera que não haveria inconstitucionalidade em se aprovar uma PEC neste sentido, pois não há proibição explícita sobre alterar o mandato. “O mandato não é cláusula pétrea”, explica. Tais cláusulas não podem ser alteradas por emenda e, conforme o artigo 60 da Constituição, se referem à república, à federação, à separação dos poderes e às garantias individuais.
Mas Schier observa que a possibilidade jurídica não torna a PEC viável. “Embora não haja limitação jurídica, tal medida poderia ser questionada eticamente e é politicamente é inviável”, analisa o professor, que destaca que, com a derrota na votação do impeachment, o governo não teria força para aprovar uma PEC no Congresso.
O professor de direito administrativo da Universidade Federal do Paraná Rodrigo Kanayama também afirma que não haveria nenhum impedimento legal para que a PEC seja aprovada, mas haveria questões de ordem prática e política que podem dificultar o processo. “Já estaria em cima da hora para o TSE se preparar. Além disso, quem serão os candidatos? Vão aceitar o resultado após as eleições?”, pondera o professor.
Freitas e Schier avaliam que seria praticamente impossível o governo conseguir aprovar uma emenda constitucional a essa altura.
Cristovam Buarque reconhece que a emenda tem que ser fruto de um pacto político e, que se isso não ocorrer, ainda que medida chegasse a ser aprovada, poderia ser questionada no STF por aqueles que discordasse e até mesmo barrada pelo Judiciário.
Questionado sobre a baixa probabilidade de que isso ocorra no atua contexto, rebate: “Quem sabe o que vai sair no noticiário na próxima semana? Uma ideia que não tem muito valor pode virar alternativa”.
Eleições gerais
Para o constitucionalista Zulmar Fachin, as tensões políticas devem primeiramente ser resolvidas pelos parlamentares e membros do Executivo. “Quem deve resolver é o próprio corpo político de acordo com as regras do jogo, ou seja, a Constituição e as leis”. Na opinião dele, somente em situações extremas caberia uma medida como um PEC, que não é desejável. “Se toda vez que brigarem para ver quem fica com o poder mudarem as regras, não consolida democracia e o estado de direito”, critica o professor.
E, se for mesmo o caso de se aprovar a PEC, para Fachin o novo pleito não deveriam se restringir a presidente e a vice, mas fazer uma renovação completa, com eleições gerais . “Já que não foram capazes de dar uma solução, devem chamar o povo para escolher outro conjunto de agentes”, diz o jurista.
Fachin aponta ainda que tal medida enfraqueceria a democracia: “Se toda vez que brigarem para ver quem fica com o poder mudarem as regras, não se consolida a democracia e o estado de direito”.
O ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região Vladimir Passos de Freitas classifica a proposta como uma tentativa de “mudar as regras do jogo” e de criar um fato novo para fugir do que está previsto no texto constitucional. “Não tem base nenhuma. A Constituição já prevê como se dá a substituição da presidente”, diz Freitas.