Dois episódios na última semana em Brasília reacenderam o debate dos limites entre o público e o privado. Enquanto o paranaense Ricardo Barros (PP) rebateu suspeitas sobre um negócio pessoal via Ministério da Saúde, um integrante da Casa Civil fez a defesa judicial em um processo da primeira-dama Marcela Temer. Mas até que ponto um órgão público pode agir para defender interesses particulares? Segundo especialistas, o tema é polêmico e, muitas vezes, transita numa área cinzenta.
Ricardo Barros ficou sob fogo cruzado a partir de reportagem publicada pela Folha de S. Paulo mostrando que, apesar de ter R$ 1,8 milhão em bens declarados, ele adquiriu, em 2014, metade de um terreno de R$ 56 milhões em Marialva − cidade próxima a Maringá. Por meio da assessoria de imprensa do Ministério da Saúde, Barros atacou a publicação e disse que fez um empréstimo para bancar o negócio.
Já Marcela Temer acionou o Judiciário para impedir que a imprensa divulgasse informações conseguidas por um hacker que clonou o celular dela e, além de tentar extorquir dinheiro da primeira-dama, ameaçou jogar “na lama” o nome do presidente Michel Temer (PMDB). O advogado dela no processo é Gustavo do Vale Rocha, subsecretário de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República.
No ano passado, um outro episódio envolvendo o impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT) também foi alvo de discussão entre o público e o privado. Na época, ela foi defendida pelo então advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, apesar de a oposição dizer que o caso não envolvia o interesse da União, mas uma questão pessoal da petista.
Outro lado
Procurado, o Ministério da Saúde, que é comandado por Ricardo Barros, informou que a resposta foi dada por meio da assessoria de imprensa da pasta porque o pedido de esclarecimentos sobre o caso foi feito pela Folha de S.Paulo à assessoria de imprensa do ministério e ao próprio ministro.
Em resposta à Folha de S.Paulo , assessoria da Presidência da República afirmou que o assessor da Casa Civil é “advogado da primeira-dama” e, por isso, atuou no caso.
Análise
Professor de Direito Administrativo da UFPR, Rodrigo Kanayama diz haver uma zona nebulosa a respeito da possibilidade se usar a estrutura do Estado para defender assuntos que transitam numa linha tênue entre o público e o privado. Ele cita, por exemplo, ações propostas ainda no exercício do mandato contra os ex-presidentes FHC e Lula ficaram sob a defesa de advogados do Estado mesmo eles já tendo deixado o Palácio do Planalto.
“Em tese, se envolve um assunto estritamente particular e com nenhum contato com a função pública, a defesa ou manifestação deve se dar no caráter privado. Já se é resultante da função pública ou há alguma influência da função pública no ato questionado − ainda que privado − não vejo nenhum problema em haver manifestação ou defesa por um órgão do Estado”, avalia. “Mas nem sempre isso é muito claro. Às vezes, o próprio sujeito envolvido ou seus advogados têm dúvidas se o caso é resultado da função pública ou não.”
Já o presidente da Comissão de Gestão Pública e Controle da Administração da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR), Luciano Elias Reis, entende que, se os assuntos em questão possam comprometer a imagem da figura pública para permanecer no cargo bem como a credibilidade do governo, é possível a manifestação via Estado. “Não seria admissível que uma nota oficial tratasse, por exemplo, da separação conjugal de um ministro. Diferentemente seria o caso de um suposto jantar do ministro com empresários do ramo que trata o ministério.”
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