Embora a grande maioria dos senadores já preveja um desfecho desfavorável a Dilma Rousseff no processo de impeachment, aliados da petista demonstraram que os adversários da presidente da República afastada não terão vida fácil no plenário. Na sessão de julgamento da presidente Dilma pela acusação de crime de responsabilidade cometido em 2015, parlamentares contrários ao afastamento definitivo da petista apresentaram mais de dez “questões de ordem”. A fase da oitiva de testemunhas, primeira etapa do julgamento, só começou no período da tarde, embora a sessão tenha iniciado por volta das 9h30.
Estratégia semelhante – de debater de forma minuciosa todo o processo - já tinha sido utilizada durante os trabalhos da Comissão Especial do Impeachment, entre abril e a primeira quinzena deste mês. Em menor número na Casa, aliados da presidente Dilma tentam marcar posição, reforçando argumentos contrários às duas acusações contra ela: edição de três decretos de crédito suplementar sem aval do Legislativo e atraso do governo federal no repasse aos bancos públicos das subvenções do Plano Safra. A estratégia, contudo, irritou defensores do impeachment e aliados do interino Michel Temer (PMDB), que já teria pedido “pressa” ao Senado. Para eles, o objetivo das questões de ordem é embaralhar o processo de impeachment para procrastinar a decisão final.
Na condução da sessão, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, tentou se equilibrar na situação. “Eu conto com o discernimento dos senadores, para que não haja necessidade de colocar limites. A obstrução parlamentar, que é legítima em um processo legislativo, não é possível em um processo como este”, alertou ele, que indeferiu todas as questões de ordem apresentadas no período da manhã.
Veja quem são as testemunhas de defesa e acusação no julgamento do impeachment
Leia a matéria completaBate-boca
Mas, mesmo sob a condução de Lewandowski, a temperatura do plenário se manteve alta. Em uma de suas intervenções, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) questionou com veemência qual era “a moral” dos senadores para julgar a presidente Dilma, o que provocou um bate-boca generalizado no plenário. O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) chegou a gritar que ele não era “assaltante de aposentado”, em uma referência indireta à denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo contra o marido da senadora, Paulo Bernardo, no âmbito da Operação Custo Brasil. Por causa do bate-boca, Lewandowski suspendeu a sessão por cinco minutos.
Testemunhas na mira
No período da tarde, utilizado para a oitiva do procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) Júlio Marcelo de Oliveira, o embate continuou. No TCU, Oliveira foi o procurador que defendeu a rejeição das contas da presidente Dilma em 2014.
Em uma espécie de primeira vitória dos defensores da presidente Dilma, Lewandowski considerou que manifestações do procurador em uma rede social o colocavam sob suspeição. Para o presidente do STF, Júlio Marcelo fez uma convocação para “um ato em que se pretendia publicamente agitar a opinião pública para rejeitar as contas da senhora presidente da República”. Ele se referia ao evento intitulado “Vem pra rampa”, organizado em frente ao prédio do TCU. “Penso que, como membro do Ministério Público, não estava autorizado a fazê-lo”, concluiu o ministro.
Ao contrário do que ocorreu pela manhã, quando o presidente do STF negou todas as questões de ordem, Lewandowski desta vez acolheu o pedido do advogado da presidente Dilma, José Eduardo Cardozo, “rebaixando” Júlio Marcelo de “testemunha” arrolada pela acusação para mero “informante”.
A “vingança” da bancada aliada a Michel Temer surgiu no final da tarde. O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) afirmou que uma das testemunhas arroladas pela defesa também deveria ser considerada sob suspeição. O parlamentar do DEM se referia à recente nomeação de Esther Dweck, ex-secretária de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, para o gabinete da senadora Gleisi Hoffmann. A servidora teria sido cedida para trabalhar na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, colegiado presidido pela paranaense.
Mas, Lewandowski não analisou a questão, embora tenha sinalizado que deve acolher a reclamação de Caiado. “É uma questão séria e tem, em tese, fundamento, mas o momento para analisar isso não é agora”, justificou o presidente do STF.
Até as 23 horas, Júlio Marcelo havia concluído o seu depoimento como informante e o auditor federal de contas Antônio Carlos Carvalho prestava o seu, como testemunha. A previsão de Lewandowski era terminar de ouvi-lo ainda nesta sessão. Os dois ouvidos nesta quinta foram convocados pela acusação.
As outras seis pessoas chamadas para as oitivas, todas da defesa, devem ser ouvidas entre sexta-feira (26) e sábado (27). Caiado deve novamente alegar suspeição da testemunha de defesa no momento em que Esther Dweck for chamada para a mesa principal.
Efeito prático
O fato de Júlio Marcelo ter sido ouvido na condição de “informante”, e não de “testemunha”, não traz impacto prático para o processo de impeachment. Apesar disso, o carimbo da “suspeição” reforça a tese de aliados da Dilma, que sustentam que o procurador tem uma “atuação política”, e não técnica. “Ele é artífice e militante de uma causa”, criticou Gleisi Hoffmann.
Na tentativa de mostrar que não tinha cor partidária, Júlio Marcelo chegou a dizer que tinha votado na presidente Dilma em 2010. Mas, ao ser questionado sobre as últimas eleições, o procurador cutucou: “Certamente eu não poderia votar na presidente Dilma em 2014 depois de tudo que ela fez”. Para ele, as “pedaladas fiscais” são um “ilícito grave”.
Na estimativa dos parlamentares, o julgamento deve seguir até o dia 30 ou 31, com poucas interrupções. Trata-se da última etapa do processo de impeachment.
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