A abertura de uma segunda ação penal contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a primeira no âmbito da Operação Lava Jato em Curitiba, misturou de vez as esferas política e jurídica, que vinham se cruzando desde 2014, quando teve início a investigação sobre corrupção em empresas públicas envolvendo empreiteiras e políticos do PT, PMDB e PP.
Lula alega ser alvo de uma perseguição política e em discursos públicos tem dado menos atenção aos indícios que o Ministério Público Federal (MPF) aponta de favorecimento dele no caso do tríplex no Guarujá (SP) com recursos desviados da Petrobras. Já o MPF, embora alegue que apenas cumpre seu papel constitucional, se vê constantemente acusado de agir com motivações políticas, perseguindo determinados partidos ou figuras.
Agora que Moro aceitou a denúncia, Lula está mais perto de ser preso?
Leia a matéria completaOutro caso recente demonstra o imbróglio político/jurídico que se transformou a Lava Jato: a divulgação em março deste ano das gravações que sugeriam que a nomeação do ex-presidente para a Casa Civil tinha como objetivo único dar foro especial ao petista. A publicidade do conteúdo das conversas, autorizada pelo juiz Sergio Moro, colaborou para minar os planos do PT de alçá-lo a principal articulador contra o impeachment de Dilma Rousseff (PT).
“Se ele tivesse conseguido aquela nomeação, provavelmente o impeachment não passaria. As gravações do Moro, aquilo tudo foi fatal”, avalia o cientista político Mário Sérgio Lepre, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná, corroborando a tese de petistas, que até hoje consideram o episódio como a “bala de prata” contra Dilma Rousseff, que perdeu o mandato quase cinco meses depois. “Ali eu também considero que foi uma morte eleitoral para o ex-presidente Lula”, inicia Lepre.
Para o cientista político, embora a denúncia contra Lula acolhida pelo juiz Moro possa efetivamente se desdobrar no impedimento legal para ele disputar as eleições de 2018, a “morte política” do petista, relativa à capacidade de vencer nas urnas, é ainda anterior. “Eu acho que mesmo antes desta denúncia, o Lula já estava combalido politicamente. Só teria sido diferente se aquela nomeação tivesse dado certo. Aí ele teria condições de se eleger em 2018”, analisa ele.
Se Lula for condenado pelo juiz Moro e não conseguir reverter a decisão no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), ele cai na Lei da Ficha Limpa e fica em tese impedido de concorrer nas eleições de 2018. Para Lepre, a condenação é provável. “Apesar de o Ministério Público ter feito aquela denúncia espalhafatosa, aquele show, e que considerei um erro, há elementos concretos contra o Lula e pode haver condenação sim. O ambiente indica isso”, afirma ele.
O cientista político Frederico Normanha de Almeida, da Universidade de Campinas (Unicamp), tem a mesma opinião sobre a provável sentença contra Lula. “Até aqui, ficou claro um alinhamento do Moro com as teses dos investigadores do Ministério Público. Então eu tenho a impressão de que há uma predisposição dele em condenar o ex-presidente. E os tribunais superiores têm confirmado as decisões do Moro”, destaca ele.
A denúncia do Ministério Público Federal contra o petista foi oferecida no último dia 14 e, seis dias depois, ela foi aceita pelo juiz Moro, que agora conduz o processo. Durante o trâmite da ação penal, Lula deve ficar frente a frente com o magistrado, ainda que o réu tenha a opção de permanecer em silêncio, sem responder as perguntas. O interrogatório dos réus é a última etapa do processo, após a participação de testemunhas de acusação e de defesa.
“É claro que ele fará a defesa técnica e está amparado por bons advogados, mas a estratégia do Lula deve ser dupla. Ele também fará a defesa política, e que é importante, inclusive porque o Ministério Público, ao apresentar a denúncia, entrou também no campo político. Então o ex-presidente deve responder no mesmo nível”, analisa Normanha de Almeida.
Ao contrário do que acredita o cientista político da PUC, o especialista da Unicamp avalia que a defesa política pode trazer benefícios à imagem de Lula, com consequências para as eleições de 2018, caso ele não esteja legalmente impedido de disputar o pleito. “Ele ainda pode criar uma imagem de injustiçado, de perseguido, e pode se fortalecer para 2018”, opina Normanha de Almeida.
Entenda os próximos passos de Moro no processo de Lula
Leia a matéria completaDesafios para a Lava Jato
Para o cientista político Frederico Normanha de Almeida, da Unicamp, o acolhimento da denúncia contra Lula pelo juiz federal Sergio Moro pode ser considerado um novo marco na trajetória da Lava Jato, impondo desafios à operação. “Agora é o momento de a Lava Jato mostrar se tem mesmo a disposição de seguir em frente e continuar a investigação dos outros nomes. A Lava Jato vai além do Lula? Ou chegou até aqui só para acabar com um partido, como sustentam os críticos da operação?”, aponta o cientista político.
“Eles [MPF] têm a ideia de depurar o mundo da política. E justificam que a prioridade é quem está no poder. Então precisamos ver como será a partir da saída do PT do governo federal [em agosto] e a partir do acolhimento da denúncia contra o Lula”, reforça ele.
Segundo Normanha de Almeida, até aqui, a operação tem indicado disposição. Apesar disso, ele alerta que, “se houver mesmo disposição”, será preciso também “ter força para continuar”. Ele se refere a “resistências” já detectadas nos últimos dias, como a tentativa de deputados federais de aprovar, na noite da última segunda-feira (19), uma espécie de “anistia” aos políticos que no passado praticaram “caixa 2” em suas campanhas eleitorais.
Outra resistência estaria surgindo nos tribunais superiores, continua ele. “Ministros do STF, como Gilmar Mendes e Dias Toffoli, também começam a falar de supostos abusos na operação, que já podem ter ocorrido lá atrás, mas que somente agora estão sendo discutidos”, completa o especialista.
A terceira resistência, segundo ele, pode partir da própria opinião pública, que até aqui oferece um importante respaldo à Lava Jato. “A opinião pública, a sociedade, inflou a Lava Jato para tirar Dilma Rousseff. A opinião pública vai continuar dando guarida às investigações?”, alerta o especialista.
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