A morte de Teori Zavascki, há cerca de quinze dias num acidente aéreo, voltou os olhos da sociedade para a figura do ministro-relator no Supremo Tribunal Federal (STF). Como ele era o responsável pela análise da Lava Jato dentro da Corte, a definição do herdeiro da relatoria do caso tornou-se o principal assunto político do país. Após duas semanas de muitas especulações, um sorteio entre os ministros da Segunda Turma definiu, na última quinta-feira (2), que o novo responsável pela relatoria será o paranaense Luiz Edson Fachin.
Primeiro ministro a analisar os processos que chegam ao tribunal, o relator tem poderes para acelerar ou segurar o julgamento de cada caso, decidindo, por exemplo, quando liberá-lo para o plenário. É o que o pesquisador Virgílio Afonso da Silva chama de “poder de agenda” no estudo Um voto qualquer? – O papel do ministro-relator na deliberação do Supremo Tribunal Federal, publicado em 2015 pela Revista Estudos Institucionais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Vaidade é motivo de voto do relator permanecer em segredo até o julgamento
Um dos 17 ministros e ex-ministros do STF ouvidos sob anonimato para a pesquisa destaca o “papel quase absoluto” do relator a respeito da inclusão dos processos na pauta de julgamentos, que se traduz num “poder grande de supressão da discussão”. Já outro entrevistado ressalta a “visão tática” do relator, para além da análise meramente técnico-jurídica de cada caso. “O relator administra a tese que ele tem sob julgamento com o tempo. Eu, por exemplo, não me surpreendi que o ministro Marco Aurélio não tenha trazido a anencefalia antes da aposentadoria do ministro Eros Grau.” Os dois tinham posicionamentos contrários quanto ao aborto de fetos com má formação cerebral, que foi descriminalizado em 2012 – Graus deixou o Supremo em 2010.
Diferenciação
Um dos questionamentos a que o estudo se propõe a discutir é se o ministro-relator é “o senhor do processo ou apenas um dentre onze”. Via de regra, os números apontam para a primeira opção. Segundo estatísticas, em 98% das ações diretas de inconstitucionalidade decididas pelo STF sem unanimidade, o voto do relator foi seguido pela maioria dos colegas. “Ele baliza todo o debate”, “é uma posição preponderante”, “ele fixa a moldura do debate”, “é um ponto de partida para discussão” foram as expressões usadas pelos entrevistados no estudo para definir o papel decisivo do relator nas deliberações em plenário.
A situação muda de figura, porém, nos casos mais rumorosos e de grande apelo, seja na própria comunidade jurídica, no grande público ou na imprensa. Some-se aí o início das transmissões ao vivo das sessões do Supremo pela TV Justiça, em 2002. Segundo o estudo, ao contrário dos processos corriqueiros, nos quais o plenário costuma seguir o relator “sem grandes questionamentos”, naqueles mais polêmicos e sob olhos atentos da população, os demais ministros costumam levar votos prontos – não mais anotações como antigamente − e “se preparam para votar como se relator fossem”.
“Dificilmente um ministro vai reconsiderar, porque ele não espera os outros argumentos, ele já põe o ponto de vista dele e ele vai para lá para defender aquele ponto de vista a qualquer preço”, diz um dos entrevistados na pesquisa.
O resultado disso tem sido o aumento ano a ano do número de votos discordantes em plenário. Ao contrário da Suprema Corte norte-americana, por exemplo, onde os casos mais complexos são discutidos previamente de forma reservada, permitindo que os ministros conheçam as posições uns dos outros, no STF a prática foi abolida após a presidência de Marco Aurélio Mello (2001-2003).
Um tribunal monocrático
Segundo dados do projeto Supremo em Números, da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito Rio, em todos os tipos de processos julgados pelo tribunal, o porcentual médio de decisões monocráticas entre 1992 e 2013 foi de 93%. Caminho semelhante tem ocorrido nos últimos 25 anos especificamente em relação aos casos de controle abstrato de constitucionalidade − processos em que se analisa uma questão constitucional diretamente, sem haver um caso concreto. Nesse período, as decisões de mérito tomadas pelos 11 ministros em plenário passaram de menos de 60% para menos de 30%.
Vaidade é motivo de voto do relator permanecer em segredo até o julgamento
Outro ponto que, segundo o estudo, precisa ser levado em conta é o segredo em relação ao voto do ministro-relator. O padrão no STF é que o relatório seja mantido em sigilo até a sessão de julgamento em plenário – são divulgados apenas dados gerais do processo, mas não os argumentos do relator.
Um dos raros momentos em que a Corte agiu de forma diferente se deu no final de 2015, quando o ministro Luiz Edson Fachin entregou aos colegas uma prévia do voto de cerca de 100 páginas que iria proferir no julgamento sobre a validade das regras do processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), para facilitar o debate durante os trabalhos em plenário.
Apesar de ser uma opinião bastante defendida no meio jurídico que o conhecimento prévio do voto do relator pouparia tempo nas sessões, sobretudo nas mais polêmicas, receios pessoais – e não institucionais – balizam essa discussão no STF. De acordo com a pesquisa, os ministros “não querem correr o risco de divulgar seus argumentos com antecedência, para que outros não possam elaborar contra-argumentos mais robustos”, correndo o risco de serem levados “à lona”.
Essa “vaidade e individualismo”, nas palavras do pesquisador Virgílio Afonso da Silva, também pode ser verificada na figura do relator para o acórdão, que é quem assume a relatoria do processo quando o relator original é derrotado em plenário. “São conhecidos os casos de ministros que fazem grande esforço para não serem voto vencido, ainda que haja necessidade de mudar seu voto para seguir a maioria, apenas e tão somente para não perder o posto de relator de um caso importante”, diz o estudo.
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