No momento mais tenso desde o início da crise política no Senado, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), assistiu no início da noite desta terça-feira a uma série de discursos pedindo sua saída do cargo. Um grupo de 19 senadores de PSDB, DEM, PT, PMDB, PSB e PDT exige o afastamento de Renan; caso contrário, ameaça iniciar um processo de "obstrução total". Até mesmo senadores do PT, que até agora não tinham pressionado Renan, como Ideli Salvati (SC) e Aloizio Mercadante (SP), sugerem a saída do peemedebista da presidência.
O presidente do Senado, por sua vez, insistiu que não pretende se afastar e anunciou no plenário a abertura de uma sindicância para investigar a denúncia de que o ex-senador Francisco Escórcio (PMDB-MA), hoje seu assessor, teria tentado organizar um esquema de espionagem de senadores favoráveis à cassação de seu mandato. Renan anunciou ainda o afastamento temporário de Escórcio, que ficará fora de sua função até a conclusão da investigação.
Dirigindo-se aos colegas, Renan disse que jamais aprovaria qualquer tipo de "bisbilhotagem" da vida alheia e garantiu aos senadores que mais uma vez é vítima.
- Garanto aos senhores que nesse caso eu também sou vítima. Asseguro, não fiz, não farei nenhuma espécie de levantamento político sobre nenhum senador ou senadora. Bisbilhotar a vida alheia não é uma prática que eu aprove ou apóie - afirmou.
O senador disse que alguns setores da imprensa deixaram a isenção de lado para promover uma ofensiva típica de ação partidária, de forma infame e abjeta.
Em aparte, o senador Marconi Perillo (PSDB-GO), um dos senadores que seriam alvo do suposto esquema de espionagem, cobrou de Renan a demissão de Escórcio, afirmando que não há dúvida de que houve a reunião, em Goiânia, na qual teria sido discutida a estratégia de bisbilhotar os adversários do senador alagoano. Renan respondeu que estava fazendo o que lhe cabia e que Escórcio ficará afastado, até o fim da sindicância, para não pôr em risco a investigação.
Divulgação de áudio de entrevista irrita Renan
O senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que seria uma das vítimas do esquema de espionagem supostamente montado por Francisco Escórcio, divulgou em plenário a gravação de uma entrevista em que o advogado Heli Dourado diz a um repórter da "Folha de S.Paulo" que Escórcio procurou algumas pessoas em Goiânia, entre elas o ex-deputado Pedrinho Abrão, para ajudá-lo na empreitada. Dirigindo-se a Renan, Demóstenes disse que os envolvidos na gravação citam seu nome. Renan respondeu que não.
- Falaram o nome do senhor, dizem que o senhor está preocupado. O senhor quer voltar a fita? - disse Demóstenes.
- O Brasil conhece minha prática política. É repugnante (o conteúdo da fita), mas não tem elemento jornalistico na denúncia - disse Renan.
O presidente do Senado se descontrolou com o senador do DEM.
- V.Exa. está com o tempo esgotado - reclamou Renan, com o dedo em riste contra o colega.
- O senhor tinha cinco minutos, mas falou 20. Eu vim com o coração desarmado - rebateu Demóstenes.
Foi quando Renan demonstrou toda sua irritação com a divulgação do áudio da entrevista.
- O senhor colocou uma fita aqui, transformou o Senado em delegacia de polícia. O que V.Exa. quer fazer com o Senado brasileiro? - questionou Renan.
- O que V.Exa. fez com o Senado brasileiro? - respondeu Demóstenes, que, em seguida, deixou a tribuna.
Mais cedo, ainda outro aparte ao discurso de Renan, Pedro Simon (PMDB-RS) voltou a pedir a saída do colega de partido da presidência do Senado. Exaltado, Simon argumentou que Renan terá plena oportunidade de defesa, uma vez que teria a simpatia dos líderes de PSDB, DEM e PT, além da confiança do vice-presidente Tião Viana (PT-AC), que assumiria o posto.
- Faço um apelo a V. Exa. para se licenciar, em nome do Senado, da serenidade, do respeito, da credibilidade. V. Exa. se licenciado está tendo um ato de grandeza. Há uma unanimidade: o Senado está no chão. A imagem de V. Exa. para a sociedade é de um homem que coloca o eu pessoal à frente da instituição - disse Simon.
Demóstenes aproveitou para alfinetar Renan, acusando-o de incoerência, uma vez que afastou o assessor para não comprometer a investigação, mas insiste em ficar no cargo, apesar dos vários processos a que responde no Conselho de Ética.
- V. Exa. afastou Escórcio, mas não se afastou - disse Demóstenes.
- Estou exercendo um mandato - respondeu Renan, da Mesa do Senado.
Demóstenes repetiu que o ex-deputado Pedrinho Abrão o procurou no dia 28 de setembro para denunciar o suposto esquema de bisbilhotagem. Demóstenes comparou Escórcio ao ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e disse que ele é um desqualificado.
- Todos nós aqui sabemos como Francisco Escórcio é destrambelhado, para não dizer desqualificado. Ele é o nosso Delúbio - disse Demóstenes.
Renan deixou o plenário enquanto o líder do DEM, José Agripino Maia (RN), ainda discursava no plenário. No momento em que Renan saía, Agripino cobrava a indicação de um relator para o terceiro processo aberto contra ele e a retomada da normalidade na Casa.
Grupo quer votação de representações até 2 de novembro
Os senadores decidiram também fixar em 2 de novembro o prazo para que todas as representações contra Renan no Conselho de Ética sejam votadas, incluída na lista a quinta representação, que trata da denúncia de espionagem contra senadores de oposição e que foi apresentada nesta terça-feira por DEM e PSDB à Mesa do Senado, que ainda decide se encaminha para o Conselho de Ética. A denúncia foi antecipada pelo Blog do Noblat e publicada na edição desta semana da revista "Veja". PSDB e DEM argumentam na ação que, com a espionagem, Renan estaria incorrendo em abuso de poder na utilização de seu cargo de presidente do Senado.
A série de denúncias contra Renan começou em maio, quando a revista "Veja" informou que ele usava um lobista da construtora Mendes Júnior para realizar os pagamentos da pensão da jornalista Monica Veloso, com quem ele tem uma filha fora do casamento. Após ampla defesa, o plenário do Senado decidiu, em setembro, pela absolvição e Renan manteve o mandato parlamentar, apesar da recomendação de cassação feita pelo Conselho de Ética. Renan é acusado ainda de beneficiar uma cervejaria, de ter usado "laranjas" para adquirir rádios em Alagoas e de participar de um esquema de corrupção em ministérios ocupados pelo PMDB. O senador refuta todas as acusações. Três ações foram pedidas pelo PSOL e a referente às rádios teve a iniciativa do DEM.
Integrantes do PPS são presos após protesto no Senado
Também na tarde desta terça-feira, cinco integrantes da Juventude Popular Socialista do PPS foram presos no Senado quando protestavam contra a falta de ética na política. Os manifestantes trocaram de roupa num banheiro do Senado e saíram desfilando pelos corredores, em fila indiana, vestidos de franciscanos e prometendo distribuir sandálias semelhantes às que usavam quando foram abordados pelos seguranças.
Os jovens, que chegaram a ser arrastados pelos seguranças, pretendiam entregar a Renan e a outros senadores peemedebistas sandálias de dedo, como resposta à declaração feita na semana passada pelo senador Wellington Salgado (PMDB-MG), que classificou os dissidentes de seu partido de "franciscanos".